SOBRE PERFEIÇÃO E MORTE

Há alguns meses, li o livro F*DEU GERAL, de Mark Manson, autor do bestseller A SUTIL ARTE DE LIGAR O F*DA-SE. E gostei muito. Por que? Diferente dos tradicionais livros de autoajuda, ele não apresenta soluções miraculosas que farão com que a pessoa conquiste todos seus sonhos ou mude totalmente suas atitudes num passe de mágica.

Lá pelas tantas, escreve Manson: “Porque, falando sério, se alguém realmente conseguisse resolver todos os nossos problemas, essa pessoa iria à falência na terça feira que vem (ou perderia o mandato na sexta). Líderes precisam de seguidores eternamente insatisfeitos: faz bem aos negócios de liderança. Se tudo fosse perfeito e maravilhoso, não haveria razão para seguir ninguém. Nenhuma religião fará com que a gente se sinta feliz e em paz o tempo todo. Nenhum país jamais se considerará totalmente justo e seguro. (...) Nenhuma pessoa, independente do quanto você a ame ou da reciprocidade deste sentimento jamais vai aplacar aquela culpa interior que sentimos justamente por existir.” Concordo e assino em baixo. A citação do autor casa com que eu já escrevi anteriormente: ninguém é totalmente bom ou mau, nem será feliz ou infeliz o tempo todo, independente de teorias, religiões ou bestsellers de auto ajuda ao autor.

Isso me faz lembrar de um outro livro fantástico: AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE, de José Saramago. A história: depois de séculos sendo odiada pela humanidade, a morte resolve parar de trabalhar. O que parecia ser o sonho de toda a humanidade (a imortalidade), acaba por instalar o caos no país imaginado pelo Nobel de Literatura.

Analisando as duas obras, que são totalmente diferentes por seu gênero e conteúdo, pode-se chegar a várias conclusões:

Se tudo fosse perfeito, se houvesse igualdade e democracia para todos e se o viver no planeta Terra fosse um eterno paraíso, o que seria dos líderes, sem nada para contestar e sem nenhum seguidor para abraçar suas ideias de transformar e modificar as coisas? O que seria das religiões, sem a perspectiva de acenarem com uma vida depois desta, onde devemos nos arrepender de nossos pecados para alcançar a salvação? A própria ideia do pecado seria um termo obsoleto, visto que tudo seria perfeito. A Bíblia, com toda sua carga de profecias, castigos e promessas seria motivo de piada.

O tema proposto por Saramago vai muito mais além. Não morrendo mais ninguém, não haveria necessidade de serviços funerários, planos de saúde e outras formas que lucram em cima da desgraça dos outros – e não estamos criticando esses serviços, posto que são necessários -, mas muita gente ia ter prejuízo. Sem falar em dois problemas que instalariam o caos no mundo: a superpopulação e a ruína dos sistemas de previdência, uma vez que os ditos “velhos” não partiriam mais desta para uma melhor – ou pior -, sendo eternos aposentados do sistema.

Usando um termo piegas, talvez precise existir o mal para que o bem sempre triunfe. Mesmo sabendo que na prática quase nunca é assim: em qualquer pessoa faltariam dedos para apontar casos de pessoas que se deram bem mesmo passando por cima das pessoas, da Moral e da Ética. Eu mesmo posso elencar inúmeros casos em ordem alfabética. O que não quer dizer que essas pessoas vão ser castigadas pelo fogo dos infernos – se é que essa situação do capeta com seus chifres e tridentes, cozinhando pecadores em caldeirões pela eternidade afora realmente existe. O que existe são algumas igrejas que se utilizam de alguns exemplos para atrair mais fiéis: era prostituta e agora virou devota! Carlinhos Trabuco, que foi matador de aluguel e hoje é pastor evangélico! O ex viciado que se converteu e hoje prega a Bíblia em praça pública! Tudo bem, alguns podem até ter sido desviados do mau caminho. Mas até que ponto a igreja – ou as igrejas – lucram em cima desse tema?

O que estou querendo dizer é que nosso céu e nosso inferno nós atravessamos em vida, vivendo e convivendo em cima deste mundo velho sem porteira chamado planeta terra. Alguns experimentarão mais as delícias do primeiro, outros viverão as dores do segundo com mais frequência – o que não quer dizer que tudo vai ser sempre bom ou eternamente ruim. Somos resultados de nossas escolhas -sejam elas acertadas ou não. Se houver uma vida depois desta, será para voltar a este mesmo mundo, a fim de completar uma tarefa ou consertar alguma cagada. Mas aí já estaríamos entrando no terreno do Espiritismo, doutrina que até admiro, mas não conheço profundamente para poder defender ou criticar. Aliás, não defendo nem critico doutrina ou religião alguma: desde que não haja fanatismo, segregação ou “profetas” se aproveitando da fé alheia para lucrar, a religião é uma forma de unir as pessoas e muitas vezes de afastá-las de alguns vícios. E talvez a certeza da morte seja um motivo para a gente aproveitar melhor a vida – mas dizendo isso, corre-se o risco de soar piegas novamente.

Encontrar o equilíbrio para viver uma vida sem muitos sustos e sentimento de culpa, sem exigir demais de nós mesmos -e dos outros; comemorar nossos triunfos sem atropelar ninguém na estrada: este parece ser o caminho certo que todo ser humano deveria tentar seguir.