MEMÓRIA ORTOGRÁFICA

Perdoem as minhas falhas, mas confesso que não sou um bom fisionomista. Passei por esse constrangimento no Royal Plaza Shopping de Santa Maria, quando um conhecido de longas eras me cumprimentou e, mesmo tirando a máscara, eu não reconheci. Na reunião de uma associação beneficiente, me flagrei perguntando o nome completo da mãe de uma colega de trabalho e vizinha dos meus tios, uma pessoa que já vi trocentas vezes. Ou seja: a miopia não me abona, pois meu caso é grave. Não sei que raios de nome tem isso, pois se me falarem o nome, eu puxo todo o histórico, mas se me mostrarem o rosto, muitas vezes não sei quem é. Qual a saída nessas horas? Fingir um desmaio? Assumir que estou gagá?

Não sei. Só sei que devo desculpas a muitas pessoas que me cumprimentam citando meu nome e que nem sempre eu reconheço. Não sou "cheio" (tradução: exibido, se achão), sou apenas distraído e esquecido. Ainda que estivéssemos na obrigatoriedade das máscaras, eu ainda podia alegar que não conheço. Mas elas foram abolidas na maior parte das situações - graças a Deus e a vacina - e essa desculpa já não cabe mais.

Vai chegar uma hora em que meu reflexo no espelho não vai saber quem está do outro lado, mas quando essa ocasião chegar, espero pelo menos reconhecer meus familiares.

Brincadeira à parte, a questão é que realmente não sei que tipo de memória eu tenho, pois se me falarem o nome da pessoa, eu sei de todas as informações, mas se a pessoa aparece na minha frente, eu não faço a mínima ideia. Memória ortográfica? Pode ser, por que acabei de inventar essa expressão e por que memória fotográfica não é com certeza.

À parte disso, sou educado com todos, o que me salva de um xingamento ou esbofeteamento - que muitas vezes eu mereço, por que não reconheço a pessoa.

Luís Fernando Veríssimo e Martha Medeiros já escreveram sobre isso: quando a pessoa aparece na nossa frente perguntando: "Lembra de mim?" Mas quem disse que lembramos? Eu assumi que não lembrava, mas posso ter parecido grosseiro diante da pessoa, que apesar disso foi educada. Mas e se a pessoa embravecer? Devo apelar pro desmaio? Saída covardona pela direita?

Quisera eu ter uma memória fotográfica, lembrando todos os rostos. Mas minha memória tem outro nome. E quem descobrir qual é, eu agradeço. E perdoem se nem a todos eu reconheço.