Sobre a complexidade da pauta antiespecista
Um relato pessoal
Em 2008, eu fui oficialmente apresentado à internet e, desde então, foi amor e vício à primeira vista. Criei meu perfil no Orkut, naquela época, dominante nas redes sociais brasileiras, começando a "curtir" páginas que iam de acordo com o que pensava, incluindo as de protesto. Algumas delas eram contra a crueldade com animais, particularmente o que acontece de maneira relativa no extremo oriente, o consumo de carne de cachorros e gatos que, desde há muito tempo, se transformaram nos maiores "mascotes" da humanidade.
Não que essa prática seja comum, até porque não teria como um bilhão de chineses consumirem esse tipo de carne todo ano.* O fato é que acontece e, até por causa das dimensões demográficas, especialmente as da China, estamos falando de milhares de cachorros e gatos que, anualmente, são mortos e consumidos. Não bastasse isso, também está normalizado naquelas terras, bem como no oriente médio, outras práticas extremamente cruéis: comer animais vivos; caçar baleias... e existem até dois "método de abate" chamados Kosher e Hallal, respectivamente típicos das "religiões" judaica e islâmica (consiste em ferir o animal não-humano, deixando-o sangrar até à morte. Dizem que é um "ritual sagrado")...
*... Mas nada impede, infelizmente, que se torne uma prática comum. É o que pode começar a acontecer na Coreia do Norte.
Não que nós, ocidentais, sejamos muito mais cuidadosos no tratamento que damos aos animais, mas pelo menos tendemos a poupar as espécies que estão mais íntimas ao nosso convívio.
Pois, quando fui exposto a essa contradição, de continuar comendo outros tipos de carne enquanto acusava orientais de comer cachorro e gato, eu comecei a pensar seriamente em me tornar vegetariano. Pois foram alguns anos até, mais ou menos o ano de 2015, que consegui parar de comer carne, incluindo peixe, porém, mantendo o consumo de derivados do leite. Mas, lá para meados de 2018, não consegui mais dizer não a bolinhos de bacalhau, voltando a comer "frutos do mar". Desde então, tinha mudado o meu "status" moral-alimentício de "vegetariano ovo-lácteo" para "peixetariano". Quanto à minha saúde, não havia notado grandes mudanças, se desde 2015 estava sem comer carne de boi, vaca, porco e frango.
Então, neste ano de 2022, eu comecei a perceber um declínio na minha saúde com dores de garganta e resfriados frequentes. Justamente no meu mês de aniversário, agosto, eu o passei doente, com a garganta muito dolorida e tosse. O fechei com febre e mal estar, começando setembro com diarreia e fortes dores de barriga, causadas por uma provável intoxicação alimentar ou virose, e ainda tive reação alérgica a um remédio contra dor, Buscopan, que quase me causou um choque anafilático (provavelmente associado a uma combinação de abuso de remédios no mesmo dia e baixa imunidade). Pois mesmo que nada disso tenha acontecido por causa da dieta que estava seguindo, eu decidi voltar a consumir carne. Porque, como já havia comentado, eu não tenho exatamente uma saúde de ferro. Outro problema é que, quem começa uma dieta como essa, seja lá por quais razões, precisa se informar bem para conseguir encontrar fontes de alimento que substituam pelo menos uma boa parte da proteína animal que deixará de ser consumida. E eu não sou essa pessoa organizada. Eu fui direto na mudança de dieta por razões morais, como a maioria faz, sem ter acionado o meu paraquedas, isto é, sem ter buscado compreender os prós e contra e compensar de maneira satisfatória.
Mas isso não muda em nada o que penso sobre a pauta antiespecista. Na verdade, confirma aquilo que já sabia, que não é apenas uma questão de parar de comer carne, porque não é e nunca foi tão simples assim. Aliás, essa é uma das pautas mais complexas e, portanto, mais difíceis de serem plenamente implementadas, porque se, por um lado, está muito certa sobre combater todo tipo de crueldade contra animais não-humanos, por outro, ainda não é tão fácil mudar a dieta humana, depois de milhares de anos de co-evolução biológica e cultural. De qualquer maneira, eu continuarei defendendo pelo melhor tratamento possível, inclusive para os animais que são criados para alimentar a humanidade, ajudando com o que estiver ao meu alcance; e continuarei totalmente contrário à certas "práticas culturais", do "abate Hallall" ou "Kosher" ao consumo de carnes de cachorros e gatos, até mesmo pelo status histórico e coevolutivo dos mesmos com os humanos. Aceitar a complexidade dessa pauta é o primeiro passo. Reconhecer quando não consegue mais sustentar um modo de vida, adotado por razões morais, mas sem desistir de continuar apoiando pela melhoria do tratamento que é dado às outras espécies, além da nossa, é outro passo importante se também for o seu caso.