O tal do smartphone é mesmo uma grande invenção para a humanidade. Não fossem os robôs que pôs nas ruas (tenho um receio enorme de atropelá-los, haja vista a capacidade que possuem de despontar do nada, em lugar nenhum), simulando um " The Walking Dad" em posições que, num futuro próximo, tornarão as cirurgias corretivas da coluna cervical a número 1 pelo mundo.

 

Recebo nele, mensagens religiosas e espirituais de todas as ordens. Vira e mexe me colocam em grupos, alguns, silencio imediatamente. Mas os famosos gifs, com sua ideia de movimento, confesso que os vejo, raramente.

 

Outra coisa boa dessa caixa de som ambulante, é a facilidade em ler notícias, baixar jornais, falar com a família e ficar antenado, em meio à avassaladora corrida contra o tempo, nesta maratona da vida moderna: se não fossem os cientistas a dizer do encurtamento do espaço que faz a terra girar, diria que temos sido arrastados por algum planeta imático ou, ainda, que algum povo (sobre)vivente numa outra esfera, esteja ativando controles de stop e start, a bel-prazer. Seríamos, os terráqueos, os únicos habitantes deste planeta?

 

Mas, o que me trouxe aqui, caro leitor, foi uma corrente que recebi nessa manhã. Nunca gostei do correntes. Aquelas que traziam praguejamentos então, fazia questão de responder os e-mails, com a devido protesto: falta de ocupação danada. Ganhei inimigos virtuais, por causa delas. Mas tive paz, ao menos.

 

Mas, a corrente que recebi, ao contrário da maioria, fez-me refém. Sugeria o remetente que escolhesse três poemas que marcaram a minha vida e seus respectivos autores, sob pena de perder a oportunidade de dar ao mundo, a alegria de conhecer uma obra literária.

 

Atração maior estava na última frase que acompanhava a intimação: "se não enviar para no mínimo 6 pessoas, amanhã terá em sua página, 10 imagens de candidatos sorridentes à procura de um voto. Povoe sua timeline com conteúdo significativo."

 

Li, rindo. Quer praga maior que 10 candidatos montados em stúdio com fotos trabalhadas no photoshop, vendendo sorrisos que nunca deram, seguidos de textos criteriosamente pensados pela equipe de marketing afim de captar seu voto?

 

Nem ofereci resistência. Aliás, o fiz na hora, ainda que seja bastante relapsa ao responder mensagens de redes, por vezes, levo 10 dias, sem contar as que nem repondo. E de repente, desponta uma interrogação.

 

Entre os escolhidos, fiz questão de negritar Drummond, mineiro que carregou o estado pelo Brasil e pelo mundo em seus escritos. Bagagem enorme a deste escritor que viu as mazelas do mundo e contou estrelas. 

 

E, pra não perder o costume, sei lá se a praga é verdadeira, repliquei a intimação para todos os meus amigos e, pra minha tristeza, somente um, gato pingado, diretor de uma biblioteca, se rendeu a esta corrente.

 

É daí que constato, já de joelhos, pedindo perdão a Deus, que a desgraça dá mais ibope que a sensação de felicidade em ler um poema.

 

Depois disso, só mesmo chamando Drummond...

 

 

Os Ombros suportam o mundo

 

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 11/09/2022
Reeditado em 12/09/2022
Código do texto: T7603535
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