ARROZ DOCE .
Os amigos e as amigas que me conhecem mais de perto sabem que detesto duas coisas : quiabo e arroz doce mas entretanto, quase ninguém sabe o motivo da minha antipatia.
Para inicio de conversa, pra mim arroz foi feito para combinar com feijão e não para ser servido como sobremesa. A história é interessante .
Tudo começou há muitos anos , na época em que ainda não tinha cabelos grisalhos(abro um parênteses para fazer um comentário: minha neta querida diz que meus cabelos são prateados e não grisalhos) . Calculo que deveria estar com mais ou menos quatorze para quinze anos. Eu e minha mãe fomos visitar a avó de um vizinho que estava nas últimas.
Não seria uma visita agradável , parecendo mais uma reunião de parentes, amigos e vizinhos para as últimas despedidas da doente. A casa estava cheia, num autentico clima de velório e a velha senhora ainda estava lúcida e conversando com os filhos, embora seu estado de saúde fosse precário.
Como não tinha o que fazer naquele ambiente, convidei meu amigo Alfredinho para ficarmos na varanda, conversando. Aproveitei também para trocar algumas figurinhas que tinha escondido da minha mãe. Dentro de casa, tristeza e lágrimas, na varanda risos e brincadeiras.
Minha mãe interrompeu minha farra chamando-me para comer um doce que estavam servindo. De fato, a empregada desfilava pela sala oferecendo numa bandeja uns potes que de longe percebi serem algo parecido com um pudim ou um manjar branco, só que cheio de pequenos grãos. Não precisei perguntar o que era pois minha mãe logo explicou que se tratava de um tal de arroz doce e que para ficar muito melhor tinha que ser servido com bastante canela.
Sempre fui daqueles que deram muito mais valor ao açúcar do que ao sal , mas arroz doce ?E com canela ? Façam-me um favor!
Uma senhora se aproximou e comentou com minha mãe : “Está uma delícia. Tem até uns pedacinhos de coco.” Não sei bem o motivo mas me serviram o pote maior e ainda por cima reforçaram a quantidade de canela. Talvez por julgarem que estava ainda em fase de crescimento. Tive a impressão que todos me olharam quando recebi o pote de doce pois provavelmente esperavam minha opinião a respeito.
Não pude fazer qualquer comentário pois naquele momento ouvimos um grito que vinha do quarto, anunciando que a tragedia se concretizara. Todos, menos eu o o Alfredinho foram para o quarto e pelo choro e sussurros de lamentação sabíamos que a velha senhora tinha falecido.
Apesar do ambiente de completa tristeza e lágrimas, particularmente, eu estava com um problema para resolver : continuava segurando o pote com um tal arroz doce. Olhei para os lados , vi um vaso de plantas no canto da sala e não tive dúvidas.
Sem que ninguém percebesse, discretamente, sorrateiramente, malandramente, virei o pote no vaso. Foi tão rápido que nem mesmo o Alfredinho percebeu a manobra. Quando me preparava para voltar para a varanda, a empregada apareceu com nova bandeja , com novos potes do bendito doce e minha mãe percebendo que a moça insistia em me servir, com um simples olhar me convenceu que não havia remédio senão aceitar.
Neste momento todos os que estavam no quarto voltaram para a sala. Estava decidido a não comer o doce, mas não tinha como me desfazer dele. O meu amigo percebendo minha angústia, começou a rir discretamente.
E aí , tive uma daquelas idéias brilhantes que acontecem de vez em quando. Era só deixar o pote cair. No máximo ouviria uma bronca da minha mãe seguido de um pedido de desculpas para os donos da casa. Minha mãe certamente diria: essas crianças ! Se assim pensei, melhor eu fiz e o pote se espatifou no chão, esparramando arroz-doce para todo lado. Todos os olhares se voltaram contra mim de uma maneira tão intensa, que nem meu sorriso amarelo deu jeito.
Não demorou muito, veio de novo a empregada com novo pote, desta vez mais cheio que os anteriores. Imaginem a cena : um velório, sala cheia, alguns chorando outros em silêncio, só eu com um pote de arroz doce na mão e todos me olhando, talvez torcendo para que eu provasse aquela coisa , caísse duro e morresse ali mesmo.
Sem saber bem o que fazer, olhei para minha mãe, e com o tal sorriso amarelo, pedi mais um pouco de canela. Minha mãe se levantou para ir a cozinha levando meu pote e assim que ela se afastou , de propósito, deixei a colher cair
Levantei-me bem devagar e quando me encaminhava para a varanda minha mãe bateu no meu ombro. Virei-me e ela não só me entregou o pote, com bastante canela, como também, uma nova colher, além de um guardanapo, muito bem dobrado. Seu olhar não me deixou nenhuma dúvida, tinha que começar a comer na frente dela, em pé e raspar o pote.
Não tendo mais nenhuma desculpa, fechei os olhos , fiz uma pequena prece e comi o arroz doce o mais rápido que consegui. Nem me lembro se mastiguei, aliás nem me lembro o gosto, porque o doce ficou muito pouco tempo no meu estômago, quer dizer, o tempo suficiente para chegar ao banheiro, que por pura falta de sorte (ou de propósito), estava ocupado.
Mais uma vez a empregada teve que recolher arroz doce no chão. Após essa trágica cena o tempo passou, minha antipatia pelo doce continuou (e continua) e nunca mais fui obrigado a chegar perto do tal de “arroz doce”.
Até o dia em que fui almoçar pela primeira vez na casa da minha futura sogra. Fui bem recebido, fizeram tudo para me agradar. O almoço estava ótimo, o bife macio, batatas deliciosas, conversa agradável, algumas piadas, várias promessas, até que foi servida a sobremesa.
Sabem o que era ? Arroz doce e com bastante canela! Ainda bem que o banheiro não era longe e não estava ocupado...
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NOTA : dou a seguir algumas sugestões para servirem de sobremesa, caso minha meia dúzia de leitores me convide para almoçar : sorvete de passas ao rum, doce de mamão, doce de leite, paçoca, pé-de-moleque, goiabada com queijo, pudim de leite e nunca, jamais...arroz doce.
(.....imagem google.....)