Todo cronista é uma ilha. E a imensidão das águas que o cercam é o movimento cotidiano. Mesmo na solidão, ele é visto ao longe, pela vida que insiste em acontecer ante seus olhos.
Acordei agitada, a necessidade é inconveniente, por vezes: corrida matinal pro corpo e pra alma. Não fosse a praça e o alongamento... Estiquei os braços e fitei numa janela de vidro com o reflexo de um rosto. Um homem cujos traços davam a ideia de maturidade. Sentado estava, inerte. Seu olhar era aprisionante: qual seria cor da tristeza que o invadia? Para falar a verdade, já vi tristezas policromáticas. Sem esboçar nenhuma reciprocidade, me vi invadindo a privacidade daquele rosto mapeado pelo tempo com sulcos profundos, dando uma ideia de sofrimento: talvez a vida não lhe fosse gentil o suficiente.
Vi-me nele, na brevidade que separa a nossa trajetória. Podia ser meu avô. Certo era o seu olhar de livro e nele, a capa era sua imagem. Quem nunca olhou pela janela perdeu a conta do tempo.
Queria abraça-lo, como quem pudesse despertar nele vivacidade. Mas continuava ancorado numa muleta que sustentava seu olhar. Só nos damos conta da vida quando ela passa e deixa em nós as sequelas do relógio. De repente, o homem da janela forçou a bengala e se levantou. E sem ofertar sequer um sorriso, deu as costas. Mas antes, contudo, um passo para trás para cerrar as cortinas. Mal sabia ele que o li. Logo eu, sem ideias. Todo cronista é uma ilha e na nudez do pensamento, veste-se do mundo.