Objeto gente
Hoje é sábado. Eu sei: não é terrível?
Um dia excelente para ficar quieto, sossegado, em meu quarto, olhando as tomadas de três pinos na parede. Mas, em vez de seguir esse itinerário, o que faço? Vou na contramão: fico planejando comigo mesmo sair em revoada, entrar no primeiro bar que encontrar, servir-me de alguns aperitivos etílicos; depois errar o caminho de casa, brigar com postes, chutar baldes, beijar a boca de Lúcifer.
Pascal já alertava, antes mesmo do advento dos bares, que toda a infelicidade de um homem começa com a incapacidade de estar a sós, consigo mesmo, num quarto.
Pois bem, eu sou um desses homens. Não me presto para o sossego, a calmaria, a Paz Universal. Estou sempre em guerra comigo mesmo. De tal modo que, para ser o mínimo de mim, preciso locomover-me, sentir, tocar, evocar objetos, pensamentos, pessoas. Necessito ver gente, conversar com gente, ser gente, ainda que um objeto gente.
Gostaria de ser ermitão por natureza e profissão. Seria mais instrutivo e menos conflituoso se assim procedesse, mas não sirvo para esse ofício: sou inquieto de nascença. Nasci de sete meses e cresci sem mamar, e parece que esse detalhe contribuiu para esta minha profusa inquietação.
Sempre estive inquieto, nos sábados ainda mais. Que bom seria se eu conseguisse ficar quieto em meu quarto, principalmente aos sábados, conversando sociavelmente com estas tomadas brancas de três pinos e juntamente com elas pensando em banalidades. Mas não, sou um tipo incomum de ser humano. Um tipo de ser humano que gosta de sair de casa, atravessar pontes, encontrar gente, conversar com gente e voltar para casa sem conhecer ninguém.
Que bom seria se eu conseguisse me ver só, na plenitude do silêncio de meu quarto, em pleno ócio, exercendo o sábio conselho de Pascal. Seria muito bom, mas também seria muito perigoso. Esse ócio, esse nada por fazer, poderia facilmente me levar ao tédio, e todos sabemos que tédio mata, sobretudo os objetos gente, e é uma das mortes mais tristes que existem.
Que bom seria, porém, se eu conseguisse executar, ainda que em manhã de sábado, esse ensinamento de Pascal, mas infelizmente isso não mudaria o fato de que na Austrália há 48 milhões de cangurus e no Uruguai 3.457.480 de habitantes, então se os cangurus decidirem invadir o Uruguai, cada uruguaio terá que lutar com 14 cangurus. Infelizmente, essa estatística estas tomadas brancas de três pinos nunca compreenderão, muito menos eu, que nasci de sete meses e cresci sem mamar.