Das agudas dores

Livrar-se das dores, físicas e espirituais, sempre foi um desafio para a humanidade. Desde tempos imemoriais, quase de tudo se tem feito para mitigar as dores humanas. Rezas e rituais, para aplacar a fúria dos deuses e merecer a sua complacência, têm sido a principal prática das religiões, que se multiplicam aos milhares no mundo, com o intuito de salvar os fiéis dos males da alma e do corpo. Temos, ainda, um sem-fim de medicamentos, drogas lícitas e ilícitas, que estão na ordem do dia para combater toda a sorte de sofrimentos agudos e crônicos.

Quando se trata de ficar livre dessas dores, não há limites; a racionalidade é, às vezes, abandonada em nome do almejado alívio.

E era exatamente isso que ocorria com Maria das Dores, uma das mais regulares genitoras do começo de sertão, onde passei a infância e juventude.

Casada com Joaquim Paciência, desde o primeiro dos mais de 20 anos de união, infalivelmente, a mulher se engravidava todos os anos. Era uma incrível escadinha formada pelos cerca de quinze filhos.

O mais curioso da história era que Maria explodia sempre em grande revolta, logo que as primeiras dores anunciavam a proximidade do parto. E o alvo de todos os impropérios era o pobre do Joaquim, que, com o passar dos anos e das gravidezes, já estava habituado com todo aquele alvoroço.

Bastava, pois, que o parto desse os seus primeiros sinais para que ela começasse a dirigir, às vezes, até escandalosamente ao marido, conforme as dores iam ficando mais insuportáveis. O xingatório começava em casa e prosseguia a caminho da maternidade e continuava na sala do parto. Isso nas últimas gestações. Nas primeiras, o parto era em casa com a ajuda da providencial parteira. Claro que o ataque era o mesmo e até mais intenso.

O pai da numerosa prole ouvia tudo calado, aceitando para si os mais pesados adjetivos, pois sabia que logo tudo voltaria ao natural. Achava bastante justo que a pobre parturiente usasse tal artifício para, pelo menos, tentar suportar os terríveis momentos por que passava, periodicamente.

Quem assistisse àquela cena, sem conhecer o histórico dos dois, teria certeza de que se separariam para sempre e colocariam fim naquela inusitada parceria. Jamais conseguiria acreditar que, no ano seguinte, a gritaria voltaria com mais força ainda.

Haja dores! Haja paciência!

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 02/09/2022
Reeditado em 21/08/2023
Código do texto: T7596956
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