A MINHA METADE

Meus amigos sabem que gosto de uma boa cachaça. E ela gosta ainda mais de mim. Temos uma amizade de invejar até Claudinho e Bochecha.

 

Tem momentos que acho que é mais que uma amizade sólida, quer dizer, líquida. Até acho que minha mulher tem razão, quando diz que é uma paixão envolvente, duradoura, de apego crescente, como deveria ser todo bom e saudável casamento.

 

Noutro dia, creio que por puro ciúme, minha mulher simplesmente me pôs na parede. Escolha, impôs ela, ou a pinga ou eu. Foi difícil, fiquei numa dúvida danada, mas optei por ela. A mulher. Pelo menos foi o que disse, cruzando os dedos.

 

Dei um tempo na “mardita”. Amargurado, mas dei um tempo. Até que ontem fui na Boutique da Pinga, que tem aqui no bairro, e comprei logo um garrafão, desses de 5 litros.

 

Claro que aproveitei que a Mulher tinha ido na cabelereira e como ia cortar, pintar, fazer raízes e mais um monte de coisas no cabelo e com isso demoraria, foi quando aproveitei a situação para me reconciliar com a pinga, minha amada amante.

 

Cheguei em casa e escondi o garrafão lá num cantinho, bem escondido no porão. Levei junto meu copinho esculpido de Canela Preta, meu preferido para bebericar a pinga e já o deixei ao lado do garrafão. A ideia vocês bem podem imaginar. Um cochilo da madame e daria um fugidinha no porão, para aquela gostosa reconciliação.

 

E o pior aconteceu. Não sei porque cargas d´agua, minha mulher, logo depois que chegou, foi no porão a procura de não sei o que. E ainda pior. Achou o garrafão. Voltou atacada, quase violenta, vomitando aquela pergunta imperativa aos gritos.

 

- O que é isso? Coisa mais feia.

 

Com o garrafão na mão se dirige ao banheiro, gritando...

 

- Vou despejar isso no vaso, é onde tua amante merece ser jogada, seu manguaça, traidor.

Então eu gritei.

 

- Por favor, não. Não, não. Por favor. Me escuta. Esse garrafão foi comprado pelo Boppré (o Boppré é meu amigo de cachaça), não é meu. Não ponha fora, por favor. Ele vai virar uma fera.

 

- Para com isso. Você está mentindo. Fala a verdade.

 

- Tá bom. Tá bom. Eu confesso. Compramos em parceria. Metade prá mim e metade prá ele. Meio a meio. Tá contente agora?

 

- Ok, melhor assim. Então vou jogar fora somente a metade. Deixo a metade do Boppré. A tua metade jogo no vaso.

 

E retomou o caminho do banheiro. Fiquei apavorado. Plano, plano, ideia, ideia. E pintou a ideia salvadora.

 

- Não podes jogar assim. Não podes jogar a metade do Boppré fora, por favor.

 

- Mas vou jogar só a tua metade. Fica frio.

 

- Então, não dá. Não dá, meu amor.

 

- Como não dá? Quer me enrolar?

 

- Não. Não. É que a minha metade é a de baixo.

 

Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 01/09/2022
Reeditado em 27/07/2023
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