Contos e Crônicas Cotidianas [3] Rotina
Enquanto esperam o metrô, Valéria e Eugênio, seres completamente desconhecidos, mal sabiam que acordaram no mesmo horário, tomaram café no mesmo horário, saíram de casa no mesmo horário e chegaram na estação praticamente juntos. Eles nem se perceberam. Valéria não percebeu que ela estava de blusa preta e saia bege e que Eugênio estava de calça preta e blusa bege. Ele não percebeu que a armação dos óculos de ambos era preta e ela nem se deu conta que os dois entrariam no mesmo vagão e desceriam na mesma estação. Meros desconhecidos.
Olham pro relógio ao mesmo tempo, o trem está pra chegar. Entram no vagão e sentam-se, um do lado do outro. Ele abre um livro, ela finalmente percebe que ele existe.
- Está gostando?
- Gostando de quê? - diz ele após um leve susto.
- Do livro. Eu já li e não achei tão interessante. Acho que você está perdendo seu tempo.
Ele a olha de cima abaixo. Moça magra com um coque no cabelo, blusa de seda preta, óculos redondos e pretos e uma saia lápis bege. Os sapatos eram de bico fino. Ela parecia ser secretária ele a achou estranha, porém interessante.
- Sua conclusão sobre as coisas pode ser completamente diferente da minha, não acha? Posso amar o que pra você é completamente desinteressante.
Ela o olha com desdém, mas percebe que o cara de pele negra e cabelos black power, de óculos preto quadrado, blusa de linho bege e calça jeans preta e tênis surrado, era muito bonito, mas não fazia seu tipo.
- O que você menos gostou do livro? - ele perguntou sem saber por quê.
- Achei clichê. Ao invés do autor dar um empoderamento pra Angélica, a fez ser uma carente que só quer ser amada.
- Mas não é assim que é a vida? Vivemos em busca de amar e sermos amados?
- Fale por você. Eu mesma não preciso de amor de ninguém. -Ela deu de ombros.
- Problema então! – ele achou sua resposta um pouco infantil, mas manteve-se focado no livro.
Mantiveram- se calados por mais um tempo.
- Você tem razão, está chato! – ele fecha o livro.
- Falei! Esse livro é chato!
- Não o livro mas esse clima que ficou entre nós.
Ela abriu os olhos bem surpresa, assim como você que está lendo. Do nada um desconhecido que até então parecia indiferente diz algo tão direto.
- Desculpa moço, ficou algum clima?
- Claro que sim. Eu fui rude com você, mas você foi comigo primeiro.
- É sério que você quer ter uma DR comigo? - ela levanta as sobrancelhas.
- DR não pois sequer te conheço, mas não quero que você tenha uma má impressão de mim.
- Mas o que importa a impressão que eu tenho de você se nem lhe conheço e nem tenho interesse?
- Não? -ele engole seco.
- Não! – diz ela com insegurança.
Há um alerta do trem de que a próxima estação estava chegando. Os dois se levantam e esperam a porta abrir. Há um clima estranho no ar como se um casal houvesse brigado, mas eles não eram um casal. A porta abre, ele vai para a direita e ela para a esquerda.