Toda vez que vou à delegacia de polícia tenho duas sensações: a de que sou invisível e a de que atraio prisão de réus em fuga. O delegado da cidade é um tipo bastante interessante: uma associação do Tenório (prático, frio e extremamente racional) e Tufão (rico sem ostentação, não abandonou as origens, é generoso e valoriza a família), personagens de novelas tão bem interpretados por Murilo Benício em Pantanal e Avenida Brasil, respectivamente. E por falar em Benício, o cabelo parece com o dele, não fosse o corte que exige um pouco mais de habilidade do barbeiro.
Tomei um chá de cadeira. E deve ser boldo, só pode. Amargo estava aquele ambiente. Desde o escrivão que atendia na portaria até o advogado dativo que procurava informações sobre o paradeiro de um animal. Sim. Um animal irracional que tinha entrado em sua propriedade e roubado o microfone que ele usava para gravar um podcast. Não acreditei a princípio, mais depois do vídeo que viralizou nas redes sociais, fui obrigada a aceitar a realidade: ou o podcast era muito ruim que até o cavalo se cansou ou os animais estão em plena revolta contra a humanidade. Uma coisa é fato, eu não resisti e ri.
Como parecia invisível, diante daquele caos que se instalava em doses homeopáticas, sentei-me próximo à janela, quem sabe assim o ar fosse menos seco que as pessoas?
De repente aparece um policial com cara de serial killer, mansinho e amoroso, trazendo sob sua proteção e guarda um foragido da polícia do estado, denunciado por violência doméstica contra a sua ex-mulher, uma advogada de renome, que também é deputada.
Como se tratava de uma prisão de grande repercussão, a delegacia parecia um galinheiro, alguns faziam questão de subir no poleiro enquanto a maioria cacarejava. Lá no canto, um jornalista recém-formado parecia uma galinha tonta. Telefonava daqui, dali, até que o delegado veio e recrutou apenas alguns para acompanhá-lo, numa entrevista. Entre eles, o bom rapaz.
Com o celular na mão e uma caneta hidrográfica seguia a equipe quando de repente o réu olha pra trás e passa a encará-lo, todos os presentes fizeram um silêncio estarrecedor, como quem aguardasse o pronunciamento espontâneo do acusado. O delegado, experiente, vira pra ele e pergunta:
- Então O Bom Samaritano resolveu se entregar? Diz aí, meu amigo. Você realmente violentava a sua ex mulher?
O rapaz fitou o olhar em Olavo, o inexperiente jornalista, e ficou mudo como quem quisesse lhe dizer algo. O rapaz se abaixou para colocar o celular próximo à sua boca, quando o então acusado dá um pulo e para de frente com o menino. O coitado, sem se lembrar que ele estava algemado e tomado pelo medo dispara rumo à porta de saída. O réu, bastante à vontade, e dando altas risadas, grita:
- Se não sabe jogar, menino. Larga o controle. Aposto que sujou a calça.
A comitiva caiu na gargalhada . E o delegado afrontoso, puxou o réu pelo braço, colocando-o em postura de respeito.
O menino, franzino, agora estava vermelho feito pimenta. E, ainda nervoso, sentou-se ao meu lado. E num movimento discreto de torção do pescoço, sussurrou em meu ouvido:
- Sabe onde fica o banheiro?
Nem esperei terminar. Levantei-me e fui acompanhá-lo até a porta, afinal éramos naquele momento, o oposto em linhas perpendiculares: a invisível que foi vista e o visível que queria ser abduzido. Minutos depois, vem ele:
- Moça, é a sua primeira vez? Essa foi a minha.
Antes que respondesse, o escrivão recepcionista que nunca ouve e está sempre ocupado, soltou:
- Olha o virgem cagado...
E vez ou outra o vejo em coberturas jornalísticas, mas na delegacia, nunca mais... E sempre me pergunto: mas será que ele sujou as calças, literalmente?