Inexplicável
Já dizia Leminski: "Eu tão isósceles, você, ângulo, hipóteses", e era assim que ela o enxergava. Uma realidade distante, uma espécie de fato proibido.
Ela sentia por ele algo inominado, desconhecido e intenso. Parecia conhecê-lo de outras vidas. Ela viu sua essência e tudo aquilo que ele tentava esconder do mundo. A sensibilidade de um menino ferido, a pureza de um ser que foi tão machucado, o olhar sincero de quem merecia outro rumo.
Possuem muitas coisas em comum, aquela solitude persistente, mesmo rodeados por pessoas, a forte ligação com os animais, a doçura, a simplicidade, o humor peculiar, o gosto musical, as ambições, a bondade e o vazio de não serem amados. Carregam divergências naturais da visão de mundo, o que não tornou-se um problema, considerando que seus valores e princípios eram os mesmos e inegociáveis. O bom caráter, a honestidade e transparência, a lealdade e a fidelidade, o desejo de uma vida plena, alicerçada em uma base sólida, aqueceram o coração dela.
O destino não falhou quando uniu aqueles caminhos em uma amizade despretensiosa e carregada de apoio. Infelizmente, para ela foi difícil - uma pessoa tão solitária - ter encontrado o amor proibido e ter que ficar tão perto assim, mas mantendo a distância necessária, tal como a canção "Apesar de Querer", do Alarcon.
Afastamentos foram necessários para preservá-la de sofrimentos mais profundos, mas vez ou outra o contato surgia, causando curto-circuito em suas veias. E quem explica?
A sua preocupação empática, a sua vontade de cuidar e de ficar perto para olhar profundamente dentro daqueles olhos, firmavam a angústia de querer alguém que jamais teria. E a sua consciência sempre mandava alertas, mas quem pode contra o coração?
E ela o encontrou mais uma vez. A surpresa foi ter sido tomada pela tristeza de não poder se aproximar e tudo o que tentou calar, com as inúmeras formas de afastá-lo, voltou ainda mais forte. Como Clarice Lispector pôde ser tão certeira em seu poema?
"Já escondi um amor com medo de perdê-lo, já perdi um amor por escondê-lo."
E isso a deixava cada vez mais assustada. Alguém precisa explicar!
Por quê? Por que sentia tudo aquilo e daquela forma?
Não era racional. Não era explicável nem sensato. Só existia. Ali, a certeza fez-se presente. Uma clareza inquestionável. E ninguém explica.
Mesmo assim, o Universo pregou outra peça e ele ressurgiu. Quebrando as barreiras e estruturas na cabeça e no coração dela, que já estavam adormecidos pela desesperança e tristeza.
Aos poucos aproximaram-se, como uma suave garoa que cai nas flores, numa calma manhã de domingo. Com cuidado, ele iniciou sua conquista com humor e apoio, e ela foi se entregando, lentamente, com medo desse sentimento que já não conseguia controlar.
Dia após dia, ficavam cada vez mais próximos e aquilo fazia bem. O sábio Universo tratou de agir no momento em que eles mais precisavam de apoio e proteção, sem que soubessem. E assim iniciou a jornada da construção de uma fortaleza em que ambos nutriam forças para enfrentar os inúmeros desafios que viriam pela frente.
Ela não sabia o que aquilo significava para ele, mas não conseguia conter a felicidade por tê-lo por perto. Inexplicavelmente, ela sentia-se forte e segura com o apoio dele, mesmo enfrentando uma das piores fases de sua vida. Sonhou com o dia em que poderia abrir seu coração e contar-lhe a profundidade e a pureza do sentimento que nutria por ele, mas como sempre foi pé no chão, tentou deixar o tempo passar para que pudesse ter mais certezas.
Encontraram-se numa praça, como aqueles casais à moda antiga. Ao entardecer, o céu crepuscular sobre suas cabeças protegeu aqueles instantes - que passaram tão depressa que logo contemplaram a lua cheia mais bonita de toda a existência. Não se viam há anos e quando seus olhares cruzaram, ela teve a certeza que tanto buscava. A certeza estava acompanhada do medo, o temor de cair do precipício do amor intenso e se machucar. Mesmo assim, não conseguiu esconder o brilho nos olhos. Ela exalou alegria e vibrou por ter aquele momento genuíno. Mais uma vez, sem explicação.
Em sua cabeça ecoava a letra de I Can't Help Falling in Love With You, que parecia ter sido escrita para aquele exato momento. Juntos, sendo eles mesmos, sem filtros ou amarras, era impossível não se apaixonar ainda mais. Naquele instante, estavam apenas existindo verdadeiramente. Assim como aquele sentimento, a certeza também pulsava em seu peito, como um grito que não aceitaria mais ser silenciado: "Some things are meant to be".
Na noite seguinte, munida de amor, já desarmada de suas defesas, barreiras e seus bloqueios, entregou-se aos mais nobres comandos sensoriais. Sentiu que o amava e teria que lidar com isso. Questionou-se todos os por quês, sem resposta. Não conseguia esquecer as risadas, a pele, a respiração, o toque, o cheiro. Nada passou desapercebido pelos seus sentidos. Tudo tornou-se marcado a ferro em sua memória descritiva. "Wise men say, only fools rush in". E agora? Como ela poderia dizer ao coração para não se precipitar, se ela sente isso por ele há anos? Portanto, questionou-se: "Shall I stay, would it be a sin?".
O medo de não ser recíproco, da intensidade e da certeza assustá-lo, de ser daqueles amores que existem para não serem vividos... o medo estava presente em cada passo dali em diante.
"Teses, sínteses, antíteses, vê bem onde pises, pode ser meu coração", de Leminski, ecoou em seus pensamentos. Pode o amor fazer sofrer?
Os dias foram passando, o vínculo se fortalecendo e eles cada dia mais a vontade com essa construção diária que é uma relação, seja ela de amizade, de amor ou de paixão. E a cada dia que passava ela o amava mais. Em alguns devaneios, imaginou eles dançando na chuva em meio aos risos e beijos. Noutros momentos, torcia para o tempo passar logo para encontrá-lo novamente.
Jorge Luis Borges, em seu poema "As Causas", define bem o calvário percorrido pelos dois para que um dia pudessem ficar juntos:
"[...] Cada remorso e também cada lágrima.
Foram precisas todas essas coisas
Para que um dia as nossas mãos se unissem."
Passaram horas, dias, meses e enfrentaram desafios, batalhas e percalços. Mesmo longe, estavam perto um do outro, apoiando, fortalecendo, incentivando, amando.
Acolheram suas dores, externaram seus defeitos, confiaram seus dilemas e sonhos, partilharam profundamente suas verdadeiras essências, fazendo florescer uma conexão indescritível. E essa é a construção diária que se mantém. A única explicação possível sobre duas pessoas que decidiram enxergar o que o Universo tentava mostrar, e amar.
Mas o amor... esse ninguém explica.