O CANTO QUE ME ENCANTA

 

 

O canto dos pássaros, todos, encantam a todos. Creio não exista uma criatura nesse mundo de Deus, que não goste do cantar de um passarinho. Existem pessoas que até não distinguem esse ou aquele canto, mas ouso dizer que o canto dos passarinhos está acima do divino.

 

Muitos tem suas preferências. Eu tenho a minha. Claro que gosto de todos os cantos, mas o  do Sabiá Vermelho, também conhecido como Sabiá Laranjeira, a mim parece o mais nobre, o mais melancólico, o mais afinado, com a maior sonoridade.

 

Talvez esse regalo pelo canto do Sabiá Vermelho, como prefiro chamar, seja influenciado pelas memórias lá da minha infância, no velho sertão de Camboriú, cidade vizinha de Balneário Camboriú.

 

Sempre que escuto um Sabiá Vermelho cantando ao longe, imediatamente todos os meus sentidos retornam no tempo. Lembro nitidamente, como se estivesse assistindo um vídeo, dos finais de tarde.

 

Eu morava num casebre, num canto de uma pastagem e cercada de um grande Laranjal, além de outras árvores frutíferas. Ao lado do casebre corria um ribeirão manso, consequência de uma nascente pertinho da casa, donde a água cristalina e gelada surgia da terra, borbulhando do fundo do peço raso que se formava.

 

Dali a água corria. Mais na frente ficava suja, escura, em função dos patos, marrecos e outras aves que ali viviam soltas e tinham no ribeirão seu parque de diversão e farta fonte de alimento.

 

Do outro lado da rua, para onde seguia o ribeirão, era uma vegetação baixa, terreno bem alagado, onde o que mais tinha eram os pés de Silva, árvore espinhenta, de raízes fundas e comum em terras alagadas. Além das taboas e muito capim, de toda ordem.

 

E quando chegava agosto, para setembro, época em que os passarinhos e tantos outros animais começam a se preparar para o acasalamento, era uma cantoria danada por todo redor, numa sinfonia da natureza pura. Nada, porém, era tanto lindo, tão profundo, como o canto dos Sabiás Vermelhos, que cantavam de todo lado, numa disputa orquestral tentando encantar as fêmeas.

 

E assim a cantoria seguia até o verão, até se aproximar o outono. Tinham uns teimosos, talvez sofrendo de mal de amor, que seguiam cantando mesmo no outono e esses cantavam ainda mais triste, repassando melancolia gozosa pelo ar.

 

O canto do Sabiá Vermelho, além de me remeter ao passado caipira, que me orgulha e sustenta toda minha vaidade, ele me seduz ao extremo do gosto, do prazer, do regalo, lançando-me num espaço de absoluto êxtase, de deslumbre total, pois, tudo nele me leva ao resumo, ao sumo da poesia.

 

Interessante que passados os anos e chegada à velhice, os Sabiás Vermelhos e seu canto que me encanta, seguem meu caminho. Aqui onde resido, ao lado tem uma área de quase floresta, reserva municipal. Ali vive os mais diversos pássaros e dentre eles os Sabiás Vermelhos, que não raro frequentam meu quintal. Tem um deles, abusado, que vem cantar ao lado da minha casa. E todo final de tarde, o safado vem comer a ração das minhas cadelas.

 

E lá no sítio, meu canto predileto, os sabiás são vizinhos constantes e numerosos e cantam, como cantam. Talvez por isso, somado a tantos outros motivos, eu não tenha nenhum motivo nem razão para reclamar da vida.

 

Só reclamo quando os sabiás não cantam.

Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 30/08/2022
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