Felicidade no plural
FELICIDADE NO PLURAL
Os versos mais conhecidos no Brasil e em Portugal são de uma poetisa de quem poucos sabem o nome. Trata-se de Bertha Celeste Homem de Mello, paulista de Pindamonhagaba, nascida no dia 21 de março de 1902 e falecida no dia 16 de agosto de 1999. Publicou um livro de poemas – Devaneios – mas talvez, em seus 97 anos de vida, só tenha tido sucesso com apenas uma trovinha.
Em 1893, as irmãs Mildred Hill e Patty Hill escreveram a melodia Good morning to all (“Bom-dia para todos”), título e versos que se repetem do princípio ao fim e que uma editora mudou, anos depois, para Happy birthday to you (“feliz aniversário para você”). A música chegou ao Brasil depois que foi usada numa peça teatral da Broadway, em 1933.
Em 1940, a Rádio Nacional promoveu um concurso para a melhor tradução em português da letra da música das irmãs Hill. O concurso foi idealizado por Henrique Foreis Domingues, cantor, compositor e radialista que se tornou famoso com o nome de Almirante. Foi o responsável pela fundação, em 1928, do Bando dos Tangarás; fez várias composições musicais, como o samba “Na Pavuna”, do carnaval de 1930; participou de filmes, como Alô, Alô, Carnaval, de 1935; realizava um programa radiofônico noturno com o nome de Incrível! Fantástico! Extraordinário!, que narrava histórias dramatizadas de fantasmas e assombrações (uma seleção dessas histórias deu origem a um livro com o mesmo título do programa, publicado pelas edições O Cruzeiro, em 1951); publicou o livro No tempo de Noel Rosa, em 1963; e seu riquíssimo acervo histórico hoje pertence ao Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro.
Em outubro de 1941, Bertha Celeste Homem de Mello, com o pseudônimo de Léa Magalhães, foi declarada a vencedora do concurso de Almirante, de que haviam participado cinco mil candidatos poetas. Faziam parte da comissão julgadora três grandes nomes da Academia Brasileira de Letras: Cassiano Ricardo, Múcio Leão e Olegário Mariano. Originalmente, o terceiro verso dizia “Muita felicidade”, no singular, mas a divulgação da letra pluralizou a expressão, inovando, poeticamente, já que felicidade, normalmente não se usa no plural.
O sucesso da letra de Bertha Celeste está na sua simplicidade, no seu estilo coloquial, carinhoso, na condensação, em poucas palavras, do desejo sincero dos entes queridos do aniversariante.
Seu anonimato é talvez uma injustiça, mas a glória do poeta está exatamente em ver sua obra eclipsar seu próprio nome, e viver vitoriosa na boca do povo.
Aí está uma lição de arte poética: o poeta precisa ser simples e falar de coração para coração. Assim dizia Elmo Elton a um imaginário poeta de versos eruditos, em “Essas minhas cantiguinhas”, publicadas no volume Poemas (Rio de Janeiro: s/n, 1976, p. 24): “São lidos, por cortesia, / teus versos de cunho novo, / mas as minhas cantiguinhas / andam na boca do povo.”
Como “Parabéns pra você”, de Bertha Celeste.