A ÉTICA DA INDIFERENÇA
uma filosofia de vida ... estoicismo (fundado por Zenão, séc.III a.C.)
Nada mais equivocado querermos desafiar a racionalidade da Natureza, ou melhor, querer, a todo custo, subjugar a nosso favor suas leis necessárias e determinísticas que têm seus fins próprios.
Nem sempre temos plena consciência de que fazemos parte dessa Natureza e do destino que nos impõe, do qual não podemos escapar. Isso acontece a todas as coisas existentes, aos seres animados e inanimados.
Mas nós humanos, de certa forma, somos arrogantes e julgamo-nos acima e à parte da Natureza, e potentes de auto proclamar-nos independentes de suas determinações. E isto nos leva, sem dúvida, a infortúnios, principalmente à falta de paz e tranquilidade, pois não nos conformamos com as contrariedades que, eventualmente, ela nos inflige na vida - queremos sempre que o vento sopre a nosso favor. Assim, ficamos desolados quando achamos que somos prejudicados, e nos armamos e lutamos para subjuga-la, e mesmo esfoliando-a para nossos propósitos egocêntricos. Nada mais errôneo, pois ela insiste e prossegue em seu ritmo sábio preestabelecido.
No entanto, há uma proposta filosófica que nos indica um caminho sábio de como lidar ou deixar-nos envolver harmonicamente nos desígnios da Natureza que, muitas vezes, nos são incompreensíveis. É a proposta estoica.
O estoicismo tem a Natureza como Razão universal, razão sábia que dirige o Universo em perfeita harmonia, da qual todas as coisas participam, e os seres humanos tendo o privilégio de serem contemplados com uma centelha dessa Razão universal (a Natureza como princípio passivo e a Razão, ou Deus, como princípio ativo, num todo imanente). Significa isso que razão humana tem o dever de harmonizar-se com a Natureza e não colocar-se fora dela e forjar caminhos outros daqueles determinados pela Razão universal. Seria isso estar em desequilíbrio com o cosmos que é um todo harmônico.
Assim, o estoicismo prega a filosofia da harmonia, e tudo o que nos acontece na vida deve concorrer para isso. Nem sempre os propósitos da Natureza nos são favoráveis e benéficos, e, com isso, deixamo-nos levar pela inquietude e desgosto. Mas, há uma maneira de encarar, favoravelmente, as vicissitudes da vida: ter a atitude da indiferença.
Esta indiferença nada mais é do que adquirir a virtude de aceitar o que a natureza nos reserva de irrevogável em sua marcha de criação e transformação. Como sabemos, tudo na Natureza se degrada e caminha para a falência para tudo se recriar novamente, num eterno retorno.
Neste sentido, o estoico, tendo ciência disso, toma uma atitude indiferente perante o que lhe acontece na vida. Assim, por exemplo, a saúde e a doença têm o mesmo peso para se ter uma vida de tranquilidade e paz. Se o corpo é afetado pela doença persistente, sem possibilidade de recuperação da saúde, o estoico não se desespera e fica indiferente ao que lhe é imposto pela Natureza. Desse modo, preserva a tranquilidade e a paz, é feliz. E isso é ser livre para um estoico, colocando-se acima do bem e do mal, pela atitude da indiferença.
Esta virtude da indiferença o estoico adquire pela observância da lei moral do dever. Isto é, obedecer aos ditames da Natureza, sem querer alterar seus desígnios necessários e, sim, reverenciar seus propósitos próprios, muitas vezes, enigmáticos e contrários ao desejo do ser humano. Praticar esta indiferença significa integrar-se livre e moralmente às ações da Natureza. É viver racionalmente uma vida em concordância com a natureza.
E mesmo a morte voluntária é moralmente correta para o sábio quando perceber que a vida se torna um impedimento de viver racionalmente, sendo-lhe, pois, indiferente viver ou morrer; não contradiz, pois, as leis da Natureza como que configurando uma fuga das agruras da vida; é antes uma integração na Razão (Logos) universal.
Assim, podemos resumir a virtude da indiferença estoica nesta máxima: “Não deseja que o que acontece aconteça como queres, mas queiras que o que acontece aconteça como acontece, e serás feliz”, (Epiteto). O estoico é um otimista.