O PERIGOSO FUNDAMENTALISMO

O ASSUSTADOR FUNDAMENTALISMO CRISTÃO

Nelson Marzullo Tangerini

Na sexta-feira última, depois de assistir a uma palestra sobre Feminicídio no colégio onde trabalho, resolvi caminhar pela Rua Dias da Cruz, no Méier, na esperança de encontrar uma ipomeia azul para minha sogra. Visitei três floristas - e nada. Depois de sondar o florista da Rua Silva Rabelo, prossegui caminhando pela Praça Agripino Griecco, onde encontrei um grupo de bolsonaristas com suas bandeiras, seus adesivos e seus santinhos – se as pessoas retratadas naqueles folhetos são realmente santas, o que duvido.

No meio daquele grupo de fundamentalistas, encontrei um conhecido, que, depois de trabalhar como terceirizado no colégio onde trabalho, passou a trabalhar como vendedor de uma ótica, ali mesmo, no Méier. No colégio, o cidadão em questão já havia se demonstrado um cristão radical, daqueles que acham que só a sua vertente do cristianismo, pentecostal, pode salvar uma alma que pensa diferente e independente.

Estendeu sua mão e tentou me passar a propaganda de seu candidato. Como a recusei, dizendo-lhe que não votaria no capitão, o fanático gritou para seus comparsas que eu era professor e petista. E, desde aquele momento, todos começaram a gritar “Lula ladrão” e dizer que eu iria para o inferno. Segundo o fundamentalista, ele estava defendendo o cristianismo e a família cristã. Assim, com essa ênfase e toda redundância.

Atravessei a Rua Dias da Cruz, em direção à Rua Oldegard Sapucaia, sob os gritos de que eu iria arder no inferno. Nesta outra via, pedi um Uber, na intenção de voltar logo para casa, fugindo, então, daqueles novos inquisidores.

Recentemente, li, na conceituada revista Carta Capital, uma longa matéria sobre o fundamentalismo cristão, aquele mesmo fundamentalismo que faz arminhas com as mãos ou leva cópias gigantes de um 38 para manifestações bolsonaristas. Nesses locais, vestidos de verde e amarelo, destilam todo o seu ódio contra aqueles que defendem a democracia, um mundo livre ou a urna eletrônica. Muitos deles, raivosos, pedem intervenção militar e a volta do AI 5.

A coisa é mesmo séria. Contou-me um professor amigo que, um dia desses, em sua sala de aula, um aluno quebrou uma caneta vermelha, dirigiu-se à lixeira e jogou-a na lata onde ela se somou ao restante do lixo que ali estava. Quando o amigo perguntou o motivo da raiva, o aluno respondeu que seu pastor havia aconselhado a todos os fieis da igreja que frequenta a se livrarem de tudo que tenha a cor vermelha, que, para o pastor, estava associado ao PT e, portanto, ao satanás.

Alguns amigos “evangélicos” não bolsonaristas têm-me relatado que muitos pastores apelam abertamente para uma lavagem cerebral dentro da igreja, pedindo que as ovelhinhas - obedientes e facilmente manipuladas - não assistam aos telejornais – a não ser aqueles das emissoras em posse de pastores magnatas - e que não leiam os jornais. Portanto, não há como dialogar com quem foi robotizado por pastores midiáticos. Seus fieis estão proibidos de ler, ouvir e raciocinar.

Pesquisas feitas, recentemente, apontam que, a partir de 2030, o número de católicos será menor que o numero de “evangélicos pentecostais”, o que significa que uma nova inquisição pode estar a caminho.

Entre a luz das fogueiras da nova inquisição e a luz da sabedoria, fiquemos com o discípulo de Sócrates: Platão, filósofo grego, que se vivo estivesse, estaria nos dizendo, também: “Eu avisei”. Ou melhor: “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.

O poeta Nestor Tangerini, um aluno dileto dos gregos, deixou-nos a seguinte trova, que ora republicamos:

“No Lar, a Mãe nos conduz

para a Fé e para o Amor;

na Escola, Templo da Luz,

quem nos guia é o Professor”.

Em meio a tantos ataques fascistas – porque somos constantemente rotulados de vagabundos, desocupados, maconheiros, comunistas, amigos do satanás – como vimos acima, nesta crônica -, pesquisas recentes apontaram que os professores, apesar dos baixos salários, ainda estão em primeiro lugar, quando se fala das profissões com maior credibilidade no país.

Apesar da disseminação do ódio, do crescimento da campanha armamentista e das salas de tiro - enquanto há uma redução drástica e assustadora das salas de leitura em todo o país -, continuamos acreditando, firmemente, no poder revolucionário dos livros - se estes libertam o ser humano de mitos e da idolatria.

Que a metáfora do filósofo e do poeta nos iluminem em meio a essas trevas que desceram sobre o Brasil.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 27/08/2022
Código do texto: T7592142
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