O ALVO É PRETO
JOEL MARINHO
O tiro de fuzil entrou no peito, era mais um preto, caiu de costas já sem vida no chão, olhos esbugalhados quase como um pedido de socorro, pedido esse que desde menino fora pedido e nunca viera. Foi-se os sonhos de mais um favelado, mas quem queria saber dos sonhos daquele menino em ser jogador de futebol criado apenas pela mãe desprezada pelo companheiro ainda no primeiro mês de gravidez?
Na cena do crime flashs de todos os lados e instantaneamente a terrível imagem já estava circulando por milhares, milhões de celulares interconectados a internet, um verdadeiro espetáculo para os julgadores de plantão e seus comentários maldosos. “Já foi tarde”. “Bandido bom é bandido morto”. “A cara de bandido já faz a denúncia”.
E lá se foi mais um Carlos que poderia ser João, José, Michael, sei lá, podia ser qualquer um favelado ninguém iria se importar mesmo, afinal era apenas mais um pintando de vermelho o tapete de terra batida da favela.
Carlos, Carlos, não, não, grita a mãe desesperada e jogada por cima daquele corpo descoberto e a mostra para todos verem!
Quanto a dor da mãe...bem. A dor da mãe ninguém vê, o “espetáculo” da morte se tornou mais atrativo e ninguém está preocupado com a dor de uma mãe que ficou órfã do seu único filho. A polícia acusa os bandidos pela morte, as testemunhas acusam os policiais e nesse vai e vem de acusação o tempo passa e nada se investiga, afinal amanhã já terá outra mãe chorando outro filho e assim a rotina se repete e ninguém será punido.
E Carlos se foi aos dezessete anos sem a chance de jogar em seu time preferido, foi confundido com um perigoso bandido mesmo estando com o fardamento branco da escola e sem nunca ter cometido sequer um crime. A farda era branca, mas ele era preto e as balas de fuzis tem endereço certo e já identificam o alvo mesmo estando a cem metros de distância, jamais erram o caminho.