Atrasos
Como de costume acordei com a luz do Sol invadindo o quarto pela janela antes de o despertador tocar às 06:45 h. Reprogramo-o para as 07:15 h sabendo que perderia o ônibus das 07:05 h e consequentemente não chegaria ao escritório às 08:00 h.
07:30 h, avisto o coletivo dobrar a esquina da avenida, jogo fora a guimba do cigarro e faço sinal para o motorista imaginando se o carro estaria mais ou menos cheio e em que lugar ela estaria. Subo os três degraus e, antes de atravessar a roleta a vejo no seu traje habitual: tênis esportivos, calça preta, abrigo do time de futebol rival ao meu e fones de ouvido escondidos sobre os cabelos soltos que chegam até os ombros.
Em pé no corredor, seguro o balaústre com uma mão e com a outra deslizo a tela do celular fingindo que leio alguma coisa importante, enquanto a observo de soslaio. No ponto central, descemos. Por uma feliz coincidência, fazemos a baldeação para a mesma linha que leva à zona Leste da cidade. Semanas atrás, nas primeiras vezes que atrasei deliberadamente por conta de noites mal dormidas, não sabia como me deslocar até o outro ponto que fica a cinco quadras de distância. Será que se eu a deixasse ir na frente daria a impressão que a estaria seguindo? E se fosse mais rápido pareceria que estava tentando ganhar uma corrida inútil?
Decido fazer um caminho diferente e subo até o ponto pela rua lateral a qual ela costuma subir. Chego a parada antes e fico observando a esquina na qual ela apareceria. Transeuntes vem e vão e nada da minha musa. Olho para a direita e lá está ela, vindo pelo mesmo caminho que fiz.
Minha cabeça começa a conjecturar… “poxa vida, acho que ela também me nota e veio no meu encalço.” Cético replico: “não Hank, é apenas uma coincidência, ela nem olha pra você e está sempre com aquele ar indiferente que as mulheres belas tem para com os homens medianos.”
O busão segue seu caminho e ela desce dois pontos antes de mim. No trajeto fico imaginando onde trabalha, que música é aquela que toca em seus ouvidos, será que ela gosta de tomar sorvete? Qual será o seu nome? Chego no escritório, sirvo-me um copo de café e vou para minha mesa fazer as tarefas cotidianas. Abro o editor de texto e, agora, escrevo o final dessa crônica reticente.