O caso da presilha
Faltavam três dias para seu aniversário. Camila se olhava no espelho. As olheiras denunciavam que nos últimos dias tinha trabalhado até bem tarde... É verdade, trabalhava só em casa, então, podia acordar a hora que quisesse. Mas era tanta coisa a fazer! Não era só trabalho não!
Camila vivia fazendo planos e sonhava em realizá-los o quanto antes – a vida parecia curta demais! Meu deus, como o tempo passa rápido! E esse cabelo, hein? Tudo bem que ela costumava ir à cabeleireira de dois em dois meses, mais para ajustar o corte, o mesmo há anos. Assim como a cabeleireira: há anos conhecera Ravenna em um bom salão. Gostava do jeito dela trabalhar, sempre atualizada, dando dicas, explicando coisas sobre seu próprio cabelo que ela não sabia. Impecável.
Ravenna era carinhosa, sempre um abraço apertado na chegada e outro, mais demorado, na saída... Ah, era uma fofa! Bem, nem sempre... Às vezes, era sincera além da conta, um ou outro conselho para a alertar a amiga. Sim, Ravenna se considera amicíssima de Camila, afinal, há quanto tempo cortava com ela? 10 anos? Ou mais? E sabe como é, né, cabeleireiro é um terapeuta: ouve muitas vezes confidências muito íntimas e, enquanto trabalha os cabelos, trabalha a autoestima do cliente... E vez por outra solta um conselho. Ravenna era dessas.
Camila não gostava muito de certos conselhos, às vezes impositivos... Mas dava um desconto: adoro os cortes dela, e tbém os abraços! E relevava o resto. Camila era destas.
Ao lavar o rosto, o cabelo liso escorreu e grudou na testa. Pegou a presilha velha e prendeu a mecha safada.
Olhou-se de novo no espelho. Há quanto tempo usava esse tipo de presilha, segurando a mesma mecha, deixando-a com o mesmo penteado? Pelo menos 20 anos... Antes, adolescente, usava cabelos longos preso em rabo de cavalo, de forma que nenhuma mecha irritava a vista.
Chegando ao salão, no mesmo dia, o mesmo abraço caloroso. Sentou-se, vestiu a capa e, como sempre, tirou a presilha para que Ravenna avaliasse o comprimento. Comentou, então, que queria que ficasse, dessa vez, um pouco mais moderno do que de costume: Eu adoro este corte, mas queria que ele me deixasse com menos ar de cansada, sabe? O que dá pra fazer?
Ravenna sorriu como se tivesse ganhado um prêmio, e não perdeu a chance. Jogou os ombros para trás: Posso te dizer amiga que há anos queria te dizer: eu odeio ver você chegar com essa presilha na cabeça! Que coisa brega! Não tem nada a ver usar isso!
E aproveitando o momento, pegou a presilha velha na bancada e jogou-a no cesto de lixo.
Terminando o corte com uma pequena aplicação de mousse, celebrou: Cê agora tá libre amiga! – e abençoou-a na despedida com aquele caloroso abraço.
Camila saiu do salão leve e solta, se sentindo uma nova mulher. Caminhou pela avenida, entrou em duas lojas de departamentos e saiu de uma delas com um vestido novo para a primeira comemoração de seu aniversário no dia seguinte.
Entrou, com a fome apertando, no fast food e pediu o hamburguer vegano se sentindo grata e realizada.
Ou quase.
O tempo todo a nova mecha - a velha mecha agora recortada - caía-lhe sobre a testa e os olhos, irritando-a.
Pagou a conta do lanche e voltou à avenida naquela quase noite de ventos frios. Encontrou, feliz, a loja de cosméticos ainda aberta e encontrou, mais feliz ainda, o que precisava: uma nova presilha, agora com strass, perfeita para as comemorações. E comprou também outras duas, mais simples, para usar no dia a dia. E voltando a caminhar na avenida, agora realmente feliz e livre, disse para si mesma, sorrindo:
É, daqui a dois meses tenho de ir a outra cabeleireira...