ESCONDENDO SUA FELICIDADE
Ela tinha uma peculiar tarefa diária, do alto dos seus 7 anos: fazer cara de triste ao lado da mãe que mendigava. Era uma menina linda, de alegria ofuscante, apesar da vida que a vida lhe dedicou. Fazer o papel de infeliz exigia tudo de sua alma, tinha de buscar algum lugar árido dentro de si pra dar autenticidade à sua arte de mostrar-se rude, áspera, seca. E assim ficava o dia todo, sem trégua, e da comoção que gerava, alguns dinheiros lhes davam. Tinham dias em que por mais que se esforçasse naquele teatro grotesco, os passantes só viam nela o que de fato era, uma criança feliz, de bem com a vida. Então sua mãe lhe apertava as mãozinhas com toda força, num código pra sacudi-la e avisá-la de travestir-se de escória, algum traste que todos renegavam, todos queriam chutar pra bem longe. E assim foram anos a fio, vivendo as benesses que a infância dedica somente às crianças que fazem por merecer. E pra ninguém mais.