Ela

Passou, meneou a cabeça, deu adeusinho.

Quem é ela? Nem ele sabe. Não a reconhece, mas nem por isso lhe causa menos danos. Ela passou, lhe deixando a sensação indelével da grande dor das coisas que passaram, como diz o bom Camões.

É coisa de admirar: um sujeito quase sóbrio não reconhecer uma moça linda e ligeira, educada e risonha que lhe cumprimenta e se despede, em seguida, em tom tão gracioso, como se velhos amigos fossem.

"Desde quando o mundo ficou tão obscuro e idiomático?", ele se pergunta.

Se não tivesse um irmão gêmeo, poderia pensar que essa moça maneira e risonha fosse um de seus encantos de infância, uma paixão passageira de sábado, um amor da época de escola. Poderia, e então ele iria ali, consultar o horóscopo, o Índice IBOVESPA e, quem sabe, pedi-la em namoro, cujo primeiro encontro seria em um bar, naturalmente.

Então ele pediria para ele uma Antárctica Sub Zero Litrão; para ela, uma água mineral sem gás (não tem certeza, mas tem intuição). Depois não saberia mais o que pedir nem o que falar.

É péssimo em conversas femininas. As mulheres, de onde vêm? O que são? Onde vivem? Do que se alimentam? Sempre quis saber. Nunca obteve resposta. Ignora, portanto. Um completo idiota no trato feminino, sempre foi.

Agora ele fica ali, olhando ela se esvair. Para onde será que ela se dirige? Terá habilitação? Um amor ocasional? Será feliz? E pra presidente, em quem vota? Será de esquerda ou direita? Ambidestra?

Ele se olha, e ela se esvai. Ele não crer em salvação e, como não basta, pensa em silêncio, diante da grande dor das coisas que passaram: "Desde quando ficou louco?".

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 20/08/2022
Reeditado em 21/08/2022
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