Aleatória
__"Meu irmão envolveu-se com uma garota aleatória, e ela acabou engravidando".
Assim dissera aquele flerte antigo Taquariense que admirava os ipês e gostava de discutir nos grupos de filosofia, onde criamos amizade e uma paixão a primeira vista: aleatória.
Aleatória, Aleatorius. Fiquei degustando a palavra por dias até esquecê-la; até observar a chatisse do fato que tinha decorado a sequencia de minha playlist no Youtube. Coloquei no modo aleatório, e fui mais feliz.
A loucura da palavra voltou, até eu constatar que, no jogo da aleatoriedade vim ao mundo: a namorada do irmão do flerte perdera o bebe e o mesmo deu graças. Meus pais biológicos não tiveram a mesma sorte e vinguei.
Produziram-me após paqueras aleatórias num porão. Eu surgi vívida, até hoje sem compreender como resisti a ingestão assidua de alcool e tabaco. Meus pais adotivos viram-na caminhando pela rua, um encontro aleatório:
__Você vai doar o neném, fulana?
__ Sim, quero ele não, quando nascer vai lá buscar.
E assim sucedeu-se meu modo, feliz até certo ponto modo, tive uma infância livre.
O gosto pela liberdade sempre espreitou-me e com suas garras afiadas rasgou-me ao meio: Fui parar em suas entranhas.
Anos mais tarde chegou a inadaptação com igrejas, casamentos e trabalho: somente com os estudos eu conseguia ser frequente e certeira: comecei a ler um bando de aleatórios que um aleatório apresentou-me. Precisei ir ao psicólogo. Inexperiência e excesso de informação: surgiram as garrafadas de vinho.
Nada aleatórias.
Terapia faz o sujeito encontrar-se consigo mesmo. Basto-me. Cerimonializo-me.
Teatros, cafés, livros e vinhos.
A falta de aleatoriedade fez com que a vida se tornasse cinza, o sentimento era intrinseco: até surgir a bola de propagandas da loja de carros. Naquele dia eu almoçava e ao mesmo tempo realizava uma tarefa da faculdade: e aquela bola, bonita como as que o Kiko tinha, veio até mim. Entrou pelo portão da empresa desconfiadinha, e chegou. Trajava até um cordão. Azul e luminosa veio. Pensa numa alegria, o sentimento inerente voltou. Passei a observar que quando passava pelas ruas, diante da pelada dos garotos, a bola sempre vinha para o meu lado. Eu a chutava de volta ao jogo: e isso aconteceu por diversas e diversas vezes.
Compreendi porque gostava de triatlo e de trabalhar de forma autônoma, como hoje. Cada dia num cliente diferente, limpando o chão, ouvindo estórias e histórias diferentes. Brigas também, tudo aleatório.
No triatlo e na vida é assim: vai saber como estará a maré e os dias: se as minhas pernas terão forças. E a incerteza é o charme do negócio.
Já fui a tantas igrejas e escuto somente o que o Cristo fala. Em matéria de música, ouço quase de tudo. Mas a preferência é o rock: coisa de gente aleatória.
Casamentos... quando eu encontrar a injeção ou o remédio antimonotomia que o Cazuza falara posso arriscar novamente. Cadê ele, meu Cristo?
Queria dentes gastos , uma alma fatigada de agitações e mulheres, que gostasse de mato e das coisas mais simples: que fosse imparcial para falar de diversos assuntos, rirmos dos amores passados, bebermos vinho a debalde, ouvindo minha playlist aleatória.
Mas, cadê ele Jesus?
Quem ama a liberdade, atrai gente que ama liberdade também: quero o amor, mas não lavar cuecas, muito menos pressão para que o jantar saia no horário, muito menos correr o risco que a euforia seja deixada de lado: quero sair para dançar sempre, com um boy perfumado.
Meu filho e eu tomamos a injeção antimonotonia: é uma felicidade tudo o que fazemos juntos, exceto os youtubers chatos da atualidade que ele gosta de assistir: muito barulho e falas rápidas, uma bestialidade para nós, de mente já cansada.
A tontura logo surge, por ficar assistindo vídeos explicados por gente mui desocupada.
Aos domingos o café é na mesa, com direito a batuque ensaiando um samba das antigas; depois vamos ao supermercado comprar chocolates, desenhamos os personagens favoritos dele, dançamos pela casa, vamos ao parque brincar com terra e afins.
Às vezes quando são 9:00h da noite já dormimos: tudo aleatório e muito feliz.