É deixar sentir
Ela se desarruma, se desfaz em poesia para de novo imprimir um texto de intensa vida. Sacode a poeira incrustada em seus poros por tantos tombos levados. Já esteve na sarjeta, também na beira do precipício, no limiar da sanidade. Se não permaneceu, carrega em si os gilvazes na alma. Por isso, capricha na caligrafia. Tem sonhos de eternidade, não quer passar... Não quer quinquilharia de vida. Mesmo que doa, quer abundante vida. E vida tem que ter gosto, bem temperada com os temperos do amor: vida insossa se esquece. Tem que ter cheiro, como o café dá bom aviso de chegada. Tem que ter sons calmantes de água corrente, ou chuva, ou cantoria de passarinho. Tem que ter tato, pele com pele. Até mesmo o gado rumina encostando uns nos outros seu couro, já que não consegue abraçar. Tem que ter olhos para enxergar todas as formas e cores da vida. Lamber com a vista o nascente e o poente, o infinito do mar e do céu. Cair dentro da íris do outro para enxergar-lhe a alma... Ah, a vida é isso! É deixar sentir... É fazer sentido para alguém.
Cassiå Cāry`ne