O mesmo tempo que urge para alguns é um baita regulador de eternidade para outros. Atrás do Edifício Imperial tem uma praça. No interior estas não passam despercebidas, pois, são uma espécie de roteiro de novela ou é feito avião em dia de operação das organizações de segurança: sobrevoa baixinho, faz barulho e vira atração especial. Tudo isso para explicar que em meio à velocidade impressa na vida cotidiana ela é um quadro cuja moldura elástica revela a beleza de um tempo que parece estático.

 

O jogo de xadrez tem uma conotação celebrativa. Os senhorzinhos de boinas acizentadas, despertam seus corpos ao primeiro sinal do sol. Poderia dizer ao primeiro sinal de luz, afinal em meios à luzes do apartamento acesas, da janela do prédio, vejo-os animados, aprontando suas bagagens que partirão ao primeiro sinal do sino e só retornarão, depois da sirene de entrada dos alunos da escola, que fica em frente à praça.

 

Os movimentos lentos de arrumação contrastam com os meus, imbatíveis em meio à pressa que me consome: O despertador acionado, rosto lavado, fogo para fazer o café ligado, janelas abertas, notícias lidas nas redes sociais (a morte sempre tem alta visibilidade, sou papa-notícias ruins no início do dia), televisão ligada e skincare da manhã. Parece que estamos em esferas diferentes (talvez estejamos), eles são mansos, calmos, atentos, uma coisa de cada vez e a autêntica inércia temporal diante do nascer do sol. Passei a ter inveja deles, como podem viver assim, no tempo deles?

 

O sino tocou e o padre atravessou a rua. As seis da manhã ele coloca um hino de louvor pra tocar na igreja. É uma forma de convidar os fiéis para a festa. Embora as mulheres sejam a maioria, um ou outro, desce com sua bengala ou chapéu. A sensação é de êxtase. Um suspiro que procura assentar os sentimentos que apressados, já desenham o futuro inevitável, ou se envelhece ou se morre. Envelhecer é o preço que se paga para viver até que, pela ultima vez, o sino toque.

 

Na praça, alguns "gatos pingados" são vistos, esfregando as mãos e batendo os pés no chão. Pedro que foi visto pela última vez há seis meses, antes da covid o encaixotá-lo em cheque mate, dizia que era pra espantar o frio. E por falar em frio, era o que o coração sentia ao passar pelos bancos espalhados e ver a vaga preferida do Pedro das Borboletas, vazia. Ninguém ousou tomar-lhe o assento, pois, as borboletas permanecem voando no mesmo espaço, aguardando-o... É, me deu um esgasgo. A água do café ferveu e meus olhos derramaram.

 

Em pouco tempo, a praça vira um estádio de emoções e contracenas, O revezamento entre os jogadores é quase imperceptível, os moços de mãos enrugadas são "duro na queda". E, entre risos e nomes gritados de forma delicada e carinhosa, vou percebendo que o time vai perdendo ídolos, cujos chamados foram silenciados, também pelo tempo.

 

Tempo é verbo de ligação humana entre a origem e o fim. Tempo é o espaço vazio entre a troca de olhares e risos certeiros. Tempo é descarga que faz boiar a dor. Tempo é aliança de comunhão, sem o toque das mãos. Tempo é trajetória entre o que se é, e o que gostaria de ser. Tempo é gramado onde correm os jogadores em busca de um gol. Tempo é desgaste químico e físico da humanidade. Ah, esse tempo. Adora ser penetra.

 

E, diante dos meus olhos, enquanto o cheiro de café com canela exala pela janela, vejo os abraços sem disfarce, serem dados com uma naturalidade tão grande que, ouso duvidar dos que recebo, diariamente. O tempo também é máquina da verdade e quando menos de espera, apita. Ao mesmo tempo, amadurece nossa concepção sobre convívio e convivência, certeza e conveniência. Não se produzem amigos em escala, mas amigos são escalados pelos sentimentos que as relações neles provocam.

 

No xadrez da praça há homens de carne e osso que apesar de assistirem uma geração acelerada caírem aos seus pés, dão conta do tempo e são felizes nas pequenas coisas, imperceptíveis à olho nu.

 

Arrumada e atrasada, peguei as chaves e saí apressada. E enquanto a porta automática da garagem cerrava, por um segundo de descuido, senti saudades do meu avô, do tempo em que suas mãos entrelaçavam as minhas, e atropelando os sentimentos, mudei a rota. Passar pela praça dos sentimentos sem se sentar no banco das emoções é impossível

 

E do retrovisor, vi a imagem se afastando, ficando cada vez menor, pelo tempo que me consumia em obrigações com hora certa. No quadro retrô que as novas gerações jamais terão em suas paredes, há pinturas de mãos ancestrais, um pouco borradas... Mas pior do que isso, é constatar que não há praças em espaços virtuais de solidão...

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 18/08/2022
Reeditado em 18/08/2022
Código do texto: T7585149
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