Se quiser falar com alguém eu mesmo telefono
Me sinto irritado. Essa é a minha condição para escrever hoje. Escrever alguma coisa parece muito com gritar. Na verdade o que está aqui dentro é uma FÚRIA incontida. Quase matei meu cachorro de tanto bater nele. Foda-se. Se algum leitor aparecer por aqui vai tomar uns tapas também, para deixar de ser bisbilhoteiro. As vezes penso que seria melhor simplesmente não existir. Outras vezes me encanto com tudo ao meu redor e o voo alto e circular dos urubus me parece primoroso. Mas hoje, até My Favorite Things do John Coltrane me causa torpor. O psiquiatra já cansou de me medicar com umas cápsulas coloridas, umas belezuras inócuas. Alguém me disse "acenda a luz, e a escuridão vai desaparecer". Mas agora a luz está acesa, é dia, faz sol lá fora. Respondi que prefiro a lua, a noite e a sombra. E também o frio. Eis o meu ódio mudo e inominável. Pergunto: para quê existir assim? O telefone toca e eu não vou atender ninguém, porque se quiser falar com alguém, eu telefono.