Desigualdades sociais no Mato Grosso do Sul
Números, índices e outras medidas do mesmo gênero são usados para glorificar a produção científica típica do pensamento positivista, desde o final do século XIX. Mas, é importante não perder de vista que existem outras formas de valorizar a objetividade das ciências, sem esquecer da subjetividade. Qualquer possibilidade de reforçar as bases da objetividade científica passa pelo imponderável vínculo humano e existencial de cada indivíduo inserido em sua sociedade.
É ilusório pensar que o desenvolvimento de um ser humano possa ocorrer de forma isolada dos demais membros da sociedade. Qualquer avanço passa pela necessária superação dos desafios que há muito afligem o mundo contemporâneo. Entre esses desafios está o exercício pleno dos direitos fundamentais e não há como conciliar a existência de um IDH elevado com a existência de populações invisíveis, sem acesso aos princípios básicos da dignidade humana. É preciso preservar o tradicional direito à dúvida, para vislumbrar pontos vulneráveis através do aparente sucesso.
Esse pressuposto nos leva a lançar um olhar crítico sobre a exuberante riqueza econômica e a força do agronegócio do Mato Grosso do Sul (MS). No caso particular do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), há mais de uma década o Estado vem preservando sua colocação entre as dez primeiras colocações do Brasil. Mas, apesar dessa posição de destaque, em Campo Grande, por exemplo, é possível constatar que houve um aumento considerável da pobreza e da miséria. Há cerca de 20 anos, dizia-se que a capital sul-mato-grossense era uma das únicas capitais brasileiras onde há havia favelas. A cidade está hoje com cerca de 40 delas, realidade que desvela uma crescente e persistente desigualdade social no Estado.
Há pouco tempo, no exitoso setor da grande pecuária sul-mato-grossense, havia cerca de 10 cabeças de boi para cada morador do Estado. Proporção numérica que não sentido algum para quem está com dificuldade para manter a refeição de cada dia. Seria temerário não reconhecer a importância do setor do agronegócio, mas é igualmente ariscado não encarar o desafio de minimizar tais diferenças sociais. Outro dia, na fila do açougue do supermercado, um cliente perguntou o preço do pé-de-galinha. Ao ser informado de que era sete reais o quilo, ele solicitou “três reais” do alimento. Situação nada lisonjeira para um lugar onde o IDH vem crescendo na última década.
Embora nos últimos anos tenha ocorrido mudanças no cálculo do IDH, o que parece ser mais questionável na versão tradicional é o fato do índice não considerar a amplitude das desigualdades sociais. Foi a partir dessa crítica que surgiu o IDH ajustado pela desigualdade, tal como esclarece uma interessante reportagem disponível no endereço https://www.politize.com.br, mencionando o avanço proposto pelo economista britânico Anthony Barnes Atkinson.
Em outros termos, para ampliar a sobrevivência do atual modelo econômico faz-se necessário considerar a crescente escalada da miséria e da pobreza, como é o caso das milhares de favelas que existem nos quatro cantos do Brasil. Em síntese, não devemos vangloriar a destacada posição do IDH no Mato Grosso do sul, nem de qualquer outro Estado, enquanto não houver oportunidades sociais mais amplas e garantias aos direitos fundamentais para todos os brasileiros, incluindo educação de qualidade, segurança, saúde e trabalho.