O milagre de tomar vergonha na cara.
Diz o ditado popular que "Dinheiro, carinho e reza ninguém despreza". Bom, dinheiro, sempre o ganhei bem suado e bem curto, de modo que, se me dessem, ele jamais seria desprezado; carinho, sempre me deram bem pouquinho, razão por que, quando me dão, não desprezo nem um pedacinho. Quanto a rezas, aí é que a "porca torce o rabo", porque mesmo cético e agnóstico de carteirinha, e não acreditando nelas, com certeza, por mim, já as fizeram de montão! Principalmente a minha saudosa mãe que, coitada, dizia ter ficado de beiço fino de tanto rezar por seu destrambelhado filho, nordestino de sangue quente, louco por mulher e por "água que passarinho não bebe".
Minha mãe, heroica viúva que criou seis filhos sozinha, sem emprego, sem pensão e sem ajuda de parentes, tinha muito crédito com o Grande Homem e por isso parece que as suas rezas funcionavam, ainda que pela metade. Bom, o caso é que deixei de ser louco por "água que passarinho não bebe" , mas, se para isso, a minha pobre mãe ficou de beiço fino de tanto rezar, com certeza terá sido porque passou muito tempo rezando.
Mas hoje, ao relembrar esse fato, me permito, entretanto, uma grande dúvida: foram as MUITAS rezas da minha mãe que, há mais de 30 anos me tornaram abstêmio às bebidas alcoólicas ou foi somente nessa época que, afinal, tomei vergonha na cara e tampei a minha garrafa?
E cabe ainda outra dúvida: minha santa mãe não teria sido obrigada a rezar muito exatamente porque pedia para o Homem quase um milagre, ou seja, que eu tomasse vergonha na cara?
Santiago Cabral
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