Iniciem-se as vaias

Ontem passei por uma aglomeração da Estação - um grupo bastante exaltado de jovens encontrava-se reunido ao redor de um palanque com uma caixa de som preta parecendo ter décadas de vida e de manifestações políticas, para além da idade deles, enquanto um homem da geração anterior gritava palavra de ordem e vários "nãos" aos céus e à terra. Ao lado, um homem ligeiramente mais novo, segurava o microfone habitualmente instalado naquela praça e abraçado à sua Bíblia, gritava arrependimento. O segundo homem estava acompanhado de mais dois outros homens, parados no mesmo sentido, abraçados às suas próprias bíblias - sem aglomeração.

Há anos passo por aquele lugar e desde criança, me lembro da Palavra sendo pregada ali. Nunca com um contingente extremamente notável de pessoas e nem sempre pelos mesmos preletores, mas ontem meu coração se admirou da fidelidade daqueles homens. Vou explicar:

Fosse poucos anos atrás, talvez três ou até menos, eu acharia ingênua sua iniciativa de continuar ali gritando arrependimento e talvez os criticasse, inclusive devido às minhas convicções políticas. Mas algo aconteceu em meu íntimo, dentro do quarto que é meu há décadas e diante do hábito que herdei dos meus avós - acredite ou não, contemplei um vislumbre do coração de Deus. Não em sua totalidade e muito menos em um tanto capaz de calar todos os meus questionamentos, mas algo verdadeiro o suficiente para me fazer ter uma certeza bem mais certa que o raiar do dia de amanhã de que a política não salva ninguém.

O governo dos homens é incapaz de remediar o mal causado pelos próprios homens - primeiro porque a própria concepção de mal varia junto com os humores e segundo porque se isso fosse possível, já teríamos atingido o status quo de paz terrível há tempos. Se contarmos que o Messias político esperado dos judeus revelou-se em um carpinteiro de aparência simples que se preocupava mais em curar enfermos que em atacar o Império opressor de Roma, nossos pensamentos serão vastamente ofendidos e talvez - talvez - digamos as maiores blasfêmias contra o nosso Cristo "passivo", que de passivo não tem absolutamente nada: a diferença é que a arma de transformação social eficaz por Ele praticada consistia tão somente na pregação do Evangelho e na anunciação de um Reino vindouro, por meio de sinais e maravilhas que apontavam a incolumidade desse Reino. Olhos na Eternidade, sempre e sempre.

Não conheço o homem pregador e nem seus dois amigos, talvez esteja mais afeta em proximidade em à multidão que não lhes dava ouvidos que a eles próprios - mas honro a sua capacidade de apontar o Reino Eterno. Capacidade essa perdida há muito por grandes construções com grandes públicos e púlpitos que tomam para si bezerros de ouro e os chamam de salvação política e proteção da moral, erguendo falsas esperanças e usando o Cristo de arrimo para edificação de altar aos falsos deuses. O povo de Israel também queria representar o Deus que os havia libertado por meio de uma figura que haviam determinado, o tal bezerro - e deu errado. Muito errado. Esses são piores que todos.

No mais, a reunião de jovens em busca de liberdade ao redor de uma opressão disfarçada de bondade e da sua busca pelo perfeito equilíbrio da justiça fez meu coração doer e meu espírito se inclinar - não em reverência, mas em compaixão. Deus os livre de perder suas vidas lutando por algo vão e para ver se assentar no poder mais um homem falho e digno da mesma pena, ao mesmo passo em que os livre de votos cegos e da ignorância plena em relação à desigualdade social desse país. Que um dia acreditem no meu "conto de fadas" e não sejam engolidos pelos ventos ou pelas ondas. Meu "conto de fadas" é mais real que a própria realidade e narra a história de um menino nascido em Nazaré que era nada mais nada menos que Deus encarnado e que em breve rasgará os céus para fazer justiça, justiça de verdade, plena. Nunca mais haverá dor.

Como disse o querido Pastor Carlos Fernando em uma mentoria brilhantemente intitulada "Casa de Justiça", o que dignifica o homem, em suas profundas raízes, anseios e mazelas, é o Evangelho.

Camila Amizadai
Enviado por Camila Amizadai em 12/08/2022
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