Viva o Gordo

Durante anos, assisti ao Jô Soares – o Jô humorista e o Jô entrevistador. Um personagem que seguramente se imortalizou na história brasileira por ser o grande artista multifacetado, conhecido de todos nós.

Agora que ele é história, inspiração e imaginário, é quase como um dever registrar algumas pequenas impressões, que certamente não irão além do que sobre ele já se falou.

Vamos, inicialmente, à ideia do homem exibido, atribuída a si pelo próprio humorista. É verdade. Talvez passasse essa imagem, sim! O Jô mais jovem, principalmente, parecia irradiar essa pompa do mostrar-se. Fazia parte do show. Mais velho, contudo, mais vivido, mais sofrido, acho que, mesmo nos últimos tempos como entrevistador, ele passava uma certa melancolia, uma certa despedida, talvez intensificada com a perda de seu único filho, o Rafa, um rapaz autista, de rara inteligência e enorme sensibilidade musical, nas palavras do próprio pai.

Vamos ao Jô escritor. Li duas de suas obras – ‘O xangô de Baker Street’ e ‘Assassinatos na Academia Brasileira de Letras’ –, tomando o cuidado de anotar passagens antológicas, que compartilhei com os que me ouviam em aulas. Chama atenção, também, a honestidade intelectual do autor, que – numa iniciativa incomum em obras literárias – faz um longo registro bibliográfico, creditando a quem de direito as informações históricas que serviram de pano de fundo para os enredos.

Preocupado com a correção linguística, Jô, em tom autoirônico, nos diverte e se diverte, ao contar, na tevê, um episódio envolvendo o gramático Napoleão Mendes de Almeida, a quem o escritor costumava consultar. Certa feita, Jô ligou para o professor, informou-se sobre uma construção e quis saber se ele, Jô, poderia também escrever de outra forma, ao que o gramático respondeu: – Pode, sim, se você quiser escrever errado – prato feito para Jô alegrar-se e alegrar a quem assistia.

Breve visita ao Jô comediante nos levará a cenas hilariantes tão repetidas nesses últimos dias, em que o humorista produziu esquetes impagáveis na companhia de Brandão Filho, Eliezer Motta, Paulo Silvino, Walter Dávila, Ronald Golias e tantos outros.

Visitemos o Jô entrevistador. Para ele, todos os entrevistados eram tratados por ‘você’, essa nossa forma íntima de nos tratar. Assim, Leonel Brizola, Ulisses Guimarães, FHC e o pipoqueiro da esquina – todos eles – eram você. José Eugênio Soares – que falava várias línguas – era também um poliglota em português, procurando sempre adequar a linguagem às características do convidado.

Seria redundância dizer que Jô Soares era um entrevistador divertido. Assim – com débitos da lembrança e alguma invenção – rememoro a entrevista de um cidadão longevo, a quem Jô perguntou se na família dele todos tinham aquele privilégio da longevidade, ao que o homem respondeu: – Na minha família são todos assim: cento e dez, cento e quinze, por aí... Só meu tio que parou nos cem – Jô, de pronto, respondeu, com uma das suas: – Vai ver que não se cuidou!

Jô era um entrevistador interessado e carinhoso, extremamente tátil, que costumava beijar afetuosamente seus entrevistados mais próximos ou que se tornavam próximos durante a entrevista. Às vezes, falava muito (seria pela proximidade que o ‘você’ permite?) e não era incomum buscar o convidado para mais perto e pegar-lhe no braço para enfatizar uma pergunta para a qual queria muita atenção.

Nesses depoimentos sobre o artista, um mereceu minha reflexão mais detida. Acho que Otaviano Costa disse que Jô Soares era um admirador do talento alheio. E ele realmente o foi, não somente dos talentos que ele mesmo tinha como daqueles com os quais não fora agraciado. Entre suas facetas, não avultava – creio – a arte da imitação, mas, entre os milhares de entrevistas feitas, certamente haverá muitas em que o humorista abre espaço aos imitadores e vai às gargalhadas com eles. Gargalhadas, aliás, que eram uma de suas marcas!

Flavinha, ex-esposa de Jô, pediu a nós, admiradores, um brinde à memória de Jô, o que faço neste breve registro, sem lágrimas, que não convêm a quem viveu de espalhar a alegria. Viva o Gordo, para sempre!