O homem seminu
Na rua passa um homem parcialmente nu. Corpo à semelhança de um poste, apesar de frágil, braços longos, calvície aparente. Da cintura para baixo, veste uma calça azul e descalço; da cintura para cima está descoberto. Como vai cambaleante, dançante e lento, o homem seminu! Não tem blusa nem pressa. Ri alto, balança o corpo à vontade, mas a cabeça resiste à força da gravidade e caminha ereta. Altiva e independente. Para onde será que está o levando, se o bar mais próximo fica a dois quilômetros noroeste sul, e ela vai na contramão?
Talvez ela não procure um bar próximo, mas uma calçada segura onde possa proteger o homem seminu dos carros e motos que passam tirando fino de seu corpo dançante, frágil e lento. Para onde será que estão indo? Será para o mesmo destino?
Vejo este homem seminu, solto no asfalto, corpo balançante, cabeça ereta, e me vem uma vontade canina em compreendê-lo melhor.
Aparentemente, é um homem comum, com cara de operário em dia de folga, quase igualzinho aos outros homens comuns, não fosse esse detalhe da falta de roupas e calçado, que o diferencia dos demais. Mas, se é verdade que as aparências podem enganar, pode ser ele, inclusive, um capitalista bem sucedido, um banqueiro, um investidor em Mercado de Ações. Alguém que, como dizem, venceu na vida, ganhou dinheiro suficiente para bancar três gerações de sua linhagem e que, finalmente, chegou à conclusão de que deveria tirar uns dias de folga, longe de seu habitat natural, sua vidinha programada, seus amigos executivos, seu quarto forrado, refrigerado, tevê tela plana, trezentos canais.
Este homem seminu pode ser esse homem capitalista, em meio a alguma crise existencial e de dólar em queda. Pode. É pouco provável? Sim. Se fosse de apostas, apostaria que, a julgar pelo pouco que conheço do país e cidade em que vivo, este homem seminu, se fosse lhe arriscar uma profissão, diria que está mais com cara de operário em dia de folga, que de banqueiro ou investidor do Mercado de Ações em crise existencial. Esse detalhe, porém, contribui para aumentar minha curiosidade sobre a figura física, existencial e profissional do homem seminu.
Gostaria de saber quais são seus desígnios. Terá segredos? E superstições? Para que time torce? Ou será que não torce para time algum? Quanto a religião: católico, apostólico, romano ou simplesmente humano?
Para onde estarão indo o homem seminu e sua cabeça altiva? Gostaria de saber. Por acaso, acham que a vida ainda vale a pena? Que ainda é tempo de dançar, cambalear e andar de cabeça ereta? Que esse tempo, há séculos, não ficou para trás?
Aonde vão esse suposto operário e sua cabeça altiva? Gostaria de saber. Talvez lhes fizesse companhia, ainda mais se soubesse que têm como destino um bar, e sendo hoje sábado... Então seria eu também um homem seminu! Imitaria seus trejeitos: corpo cambaleante, dançante e lento. Só não sei onde arranjaria a calvície aparente... Da cintura para baixo, seria descalço e bermuda, para não atentar contra a Lei e os bons costumes. Da cintura para cima, seria carcaça normal. Perambularíamos soltos no meio do asfalto, dois homens seminus guiados por duas cabeças altivas, para espanto de alguns de meus amigos e principalmente para a surpresa total de minha mãe, que acha que eu sou normal.