UM PEDACINHO DE VIDA DE UM APOSENTADO
Então...
Lá no meu refúgio, no pé da serra de Aurora, Alto Vale de Sc, o mundo é restrito aos meus regalos. Uma casa feita a partir de um galpão, cercado de tijolo a vista, uma lagoa preguiçosa na frente, patos, marrecos e gansos usufruindo das coisas todas muito descomprometidos e nem aí para as garças, quero-queros e outros pássaros tantos que passeiam no gramado que cerca a casa, a lagoa, o barranco e os ribeirões.
Se tudo ali está para atender aos meus gostos, claro que tem um baita fogão a lenha, onde me dou ao prazer de sentar na sua frente, fazendo nada que não seja ficar ponho lenha, apreciando a chama e pensando na vida, nos tempos e no futuro que me espera. Até imagino a bengala...
Muitos amigos, familiares, até alguns dos filhos me questionam, tantas vezes em silêncio, se não está cedo para eu me afastar do mundo corporativo, das atividades profissionais que tanto me tomaram, para me entregar ao ócio, emprestar-me ao fazer nada, que não seja fazer só o que gosto, quando gosto e do jeito que gosto.
Nem me dou ao trabalho de responder, explicar, justificar ou coisa do gênero. Por vezes sinto falta das atividades profissionais, de ocupar melhor tudo que estudei, tudo que aprendi, para melhor me colocar profissionalmente. Sim, por momentos, até admito que com meus 67 anos, ainda me resta energia e sobra conhecimentos e experiência para continuar no mercado.
Isso, essa dúvida, esse fraqueza eventual dura pouco. Muito pouco. Logo recobro a lucidez que meu plano de vida, tecido com esmero e de forma muito consciente, impõe-me então simplesmente cumprir o que me prometi. Lembro daqueles despacho judiciais, onde no final o Juiz determina: cumpra-se! Então eu cumpro.
E cumprindo o objetivo traçado, passo os dias entre minha casa, em Rio do Sul, Sc., e o meu recanto lá em Aurora. Vezes em quando me arrisco nuns passeios, eventuais viagens e no todo sempre lendo muito, escrevendo um pouco, normalmente bobagens, como esta.
Se a vida que usufrui até aqui, tem sido contemplada de boas coincidências, um pouco de esforço, pitadas e sagacidade e uma dose farta de sorte, permitindo-me chegar até aqui com relativa e suficiente saúde - física, emocional e mental – a ausência de ganância em minha forma de ser e estar, permite-me viver sossegadamente com os parcos mas suficientes recursos que a aposentadoria se me oferece, somada às reservas que consegui guardar, e com isso vou indo em frente, sem farturas, sem ostentação nem frescura, mas sem restrições maiores.
Claro, dentro dos planos traçados, constava que nessas alturas do campeonato eu estaria editando e publicando meus livros, usando dos mais de um mil poemas já escritos e outras centenas de crônicas, além de algumas dezenas de contos e outras peças literárias. Fui, contudo, desavisadamente surpreendido pela necessidade de investir valores que não tenho para fazer isso.
Percebi, só agora, que o talento, a facilidade de escrever, a criatividade de um poeta, de um escritor, não é suficiente para ganhar o mundo da literatura. Precisa mais outras tantas coisas, dentre elas dinheiro (que não tenho) e outras coisinhas abusadas a que já muito me sujeitei e agora não me sujeito mais. De jeito nenhum.
E assim vou passando os dias, depois de cerca de 60 anos de trabalho duro, árduo, diário, intenso e dedicado. Chega de obrigações e salve a efetiva liberdade de ir, vir, dizer, relegar, ignorar e dizer de boca cheia: foda-se a tudo que não me apraz.