Morri (e não levei o celular)
– Acho que eu já te contei que morri, fui pro céu e voltei, não é mesmo?
— Não e não estou com a menor disposição para ouvir mas, infelizmente, tenho a impressão que você vai contar de qualquer jeito…
– E porque eu faria isso? Se você não quer ouvir eu não conto e ponto final.
– Tá falando sério, cara?
– Te enganei, imagina se não vou contar a história de minha vida. Começo do começo, digo, da infância ou você quer que eu vá direto para a minha morte?
– Faz o que você bem entender, acabei de perceber que também morri e não tem nem uns vinte segundos. Assim, logo, logo você estará contando sua história para um corpo inerte.
– Você morreu mesmo?
– Tô mortinho da silva e muito espantado com sua distração. Pô, você não sabe reconhecer um defunto quando dá de cara com um? Afinal, experiência não lhe falta, você já morreu uma vez.
– Morri e desmorri. Tudo bem, fica calmo que não vou sair do seu lado. Quando você acabar de morrer, eu conto tudinho.
– Só se você morrer também, já que não pretendo voltar nunca mais.
– Puxa… Então tá, me espera só um pouquinho que já vou morrer de novo e aí a gente segue lá pro céu papeando juntos.
Ia ser um longo dia...
(2016)