A SAGA DE UM MENINO POBRE
Belinho era um menino magrinho, filho de numerosa família, amava tomar banho no rio, viajar para o sertão, brincar debaixo dos pés de oiticica, descer de riacho abaixo, correr nas ruas nos dias de chuva, ir à missa aos domingos e participar das comemorações do padroeiro da cidade, Senhor do Bonfim. No entanto, precisou trabalhar desde cedo, para ajudar no sustento do humilde lar. Bem criança, Belinho, aprendeu com o pai a profissão de tipógrafo, em rudimentar tipografia de uma cidade do interior do Ceará, na criação, composição e impressão de textos. Morava numa casa muito simples que não lhe oferecia nenhuma condição de conforto. Dormia numa rede surrada, lençol que recebia pingos de chuvas no inverno, roupas de riscado, mas era feliz, já que não vivenciou outro estilo de vida. Uma labuta incansável para uma criança na tenra idade em torno de 12 anos, que passava boa parte do seu dia compondo, ou seja, juntando letrinhas, para imprimir os pedidos de blocos, cartões, rótulos de bebidas e outros impressos encomendados pelos clientes. Feito isso, seguia para a segunda parte, que era puxar o braço pesado de uma rudimentar máquina impressora, necessitando de um cepo de madeira para alcançá-lo, de tão pequeno que era. O garoto franzino causava preocupação para sua dedicada mamãe, que tinha o cuidado de preparar todo dia uma merenda diferente, não muito diversificada, as condições não proporcionavam algo melhor. Geralmente, um ovo cozido com farinha e gordura de porco, mas o suficiente para a satisfação de sua genitora, já que seu frágil filho, além do trabalho pesado, tinha contato diário com tinta tóxica. Além do cuidado com a alimentação, comprava na farmácia frascos de vitamina, xarope para tosse e o secular biotônico fontoura. No entanto, o menino magro e pálido tinha outros sonhos, desejava algo melhor. Frequentava escolas públicas, professoras amigas de seus pais, era um sufoco, pois tinha que dividir a antiga bolsa de couro com seu irmão, no mesmo horário escolar, por não ter condições de possuir uma só para si. Cresceu, ajudando o amado pai durante o dia, e à noite frequentava o tosco banco de madeira de uma escola, mas não parava por aí, depois que chegava em casa, já com a cidade escura e, após o mimo de uma farta talhada de mamão, produzido no quintal da casa e trazida pela mãos da mãe preocupada com sua alimentação, recolhia-se ao velho quartinho próximo à cozinha, chamado de despensa, para continuar a árdua tarefa de estudar, na companhia de um primo, sob a luz oscilante da arcaica lamparina e o bater de asas de algumas baratas voadoras, das picadas das gigantescas muriçocas e da vista embaçada e cansada pela fumaça do candeeiro, via a madrugada chegar e muitas vezes o dia amanhecer. Belinho era o orgulho de seu querido pai, menino estudioso, inteligente, elogiado pelos mestres das letras e números. Queria ser médico, mas no pensamento de seu pai não seria justo formar apenas um filho, já que tinha tantos outros. E, diante desse fato, o Belinho, agora adolescente, ao lado de seu candeeiro, de sua velha máquina de escrever, de livros herdados do irmão mais velho, preparava-se, noites afora, para o concorrido concurso do Banco do Brasil, a nível nacional. E, com 17 anos e por mérito próprio, conquistou o primeiro lugar no certame, numa lista de 18 aprovados, resultado que causou admiração dos vizinhos e moradores da pequena cidade. E assim, com 18 anos, deixou o trabalho rude da tipografia para ingressar na então cobiçada profissão de bancário. Hoje, aposentado, colhe os bons frutos da semente que plantou, na infância e ao longo dos 30 anos de serviços prestados à secular e respeitada instituição bancária, onde exerceu vários cargos de confiança.
HOMENAGEM AO MANO:
HUMBERTO FONTENELE LOPES