Morada
Naquela morada onde ninguém quer morar, eu passei por lá. Passei, mas não fiquei, pois que pretendo ainda permanecer fora por muitos e muitos anos, a despeito da minha idade avançada. Subi e desci por suas alamedas, por suas transversais e bifurcações. E vi flores e me encantei, vi pássaros e ouvi seu cantar, indiferentes ao lugar onde estavam; também senti o vento no rosto como uma carícia de qualquer dos seres que já nem sei se lá habitam. Mas lá estavam.
Ao caminhar por aquelas vielas pude observar, testemunhar muitas vezes o amor do qual foram passíveis, a saudade que deixaram e a dor que seus queridos sentiram com a partida desses seres que ali jazem.
Tributos de amor conjugal, a dor dos pais que tiveram que ver seus filhos partirem antes deles, alguns mártires imolados para honra e glória de seu Estado.
Reunir todas as lágrimas, todas as dores, todas as tristezas provocadas pela partida de cada um que ali está seria missão impossível, pois se uma pessoa partiu, ela deixou dezenas ou centenas de parentes, amigos e conhecidos.
E que dizer da energia que emana daquele campo santo, fogos-fátuos formados e visualizados a partir da imaginação de passantes, de viajantes e mesmo de pessoas cuja criatividade se estende até onde não se pode imaginar...
Ouvir de seres vivos ali presentes tantas histórias, alguns que testemunharam acontecimentos inimagináveis, saber o significado de muitas das obras ali colocadas e o seu porquê...
E caminhar olhando para cada morada, pensar sobre os sonhos de seus habitantes, alegrias, tristezas, planos realizados e outros que não chegaram a se efetivar, ao mesmo tempo observar a impotência de outros perante o inevitável, estes que perenizaram ali toda sua tristeza e dor.
O motivo de nossa ida foi observação das obras de Arte tumular e meio que ficamos imunes à tristeza, pois que estávamos em um grupo grande e por nossa espontânea vontade. O silêncio e o respeito, porém, afloraram a todo momento.
Crianças, adultos e idosos, pobres, ricos, milionários... ninguém pensa que vai, ninguém quer ir nem acha que sua hora está próxima. O que é certo é que nós, que viemos do pó, a ele voltaremos e dependendo de nossa conduta, de nossos feitos, deixaremos saudade ou nem tanto.
O que importa, porém, é que tenhamos clareza de nossas atitudes e que as direcionemos para o bem.
O que há do outro lado? Só saberemos quando cruzamos a via. Que o Universo nos guie para que o façamos da melhor maneira possível.