BIRICO

Francisco de Paula Melo Aguiar

Em minha adolescência era comum os adultos contarem estórias de"trancoso" e brincadeiras diversas para todos os gostos e ocasiões.

Tenho ainda vivo na memória, por exemplo, a brincadeira do boi de Birico (tem também boi de rei...), que tinha entre os figurantes e/ou personagens principais: Catirina, Mateus e Birico(um personagem agitado a denunciar o que vinha à boca sem passar pela cabeça...).

No final das festas religiosas (urbana e/ou rural), naquele tempo, a noite terminava com a exibição de João Redondo e/ou Babau (bonecos que falavam...), ciranda, côco de roda, cavalo marinho, lapinha, pastoril, catoria de repentista (tinha diversos cantadores e entre esses, por exemplos: Manoel Xudú, Cerrador, Antônio (Galego) e Bico Frade), baile de concertina, etc. E cada estilo de brincadeira tinha sua clientela e/ou admiradores fiéis. As brincadeiras levavam as crianças, os adultos e os anciãos a esquecerem da idade. Viajavam no tempo e no espaço, sem saírem do lugar.

Tudo isso e/ou parte disso, era a parte profana das festas religiosas populares, dos aniversários, batizados, casamentos e pagamentos de promessas devocionais em honra de santos cultuados pelo mundo católico, dentre os quais, ainda me lembro, por exemplo: as procissões de São Sebastião, Nossa Senhora do Bom Parto, São João ( na casa de tia Doninha e João Frade), São Pedro, Santo Antônio, São José, Nossa Senhora do Desterro, Nossa Senhora da Conceição

(de João Raimundo) Santa Ana e Santa Luzia, essa festa da santa protetora dos olhos, era uma "grande" festa anual, feita com pedido de auxílios e/ou esmolas na casa de Zé Muriçocas, lá pobreza regada com fé e gente com força. Uma vez chegada a procissão e rezado o terço, o cancão piava até amanhecer o dia, era a festa profana com e/ou sem arrasta-pé.

Isso não faltavam as pingas, bebidas diversas e comidas típicas vendidas nos botequins feitos de pau de bambu e cobertos de folhas de cana, agave

e/ou de coqueiro, etc. A iluminação era na base do carbureto, lamparina a querosene e já existia o lampião a gás. Na zona rural ainda não tinha a energia elétrica. Tinha calor humano. Tinha uma grande e/ou pequena fogueira acessa no meio do terreiro. Fogos de artifícios para todos os gostos e balões que eram soltados em homenagens aos santos festejados. Velas eram usadas pelo povo para iluminar o percurso das procissões tiradas das casas dos parentes e amigos, ao som feminino das senhoras e jovens cantoras da localidade. Os homens não cantavam os hinos, ouviam calados, tiravam os chapéus e ajudavam a levar os andores, quatro homens para cada andor do santo festejado, tinha procissão com dois e/ou mais andores. Fogos eram soltados na saída, no percurso, na chega da procissão e durante a noite toda.

Durante a festa profana tinha até arrematação, quem dá mais ... no peru de São Sebastião?, ele tem cem quilos? Um dos mais famosos pregadores de arrematação nesse tipo de festa era o tio Augusto Gomes de Melo, depois que ele tomava unas, subia na mesa e fazia a gritaria precisa para arrematação. O povo caia na gargalhada.... Na verdade tinha uns 3 a 5 quilos de carne, era tudo mentira... aí vinha a tona o leilão da "penca" de bananas do santo e/ou a galinha de Santa Luzia. O leiloeiro levava o povo ao delírio com a forma jocosa de como ele anunciava os bens doados pelo povo aos santos para a arrematação, "desafiando os ricos, os pobres e os metidos presentes, para vender os presentes do(s)santo(s) festejado(s) aquem desse mais?... dou uma, dou duas, dou três..., quem dar mais? Tá vendido. Tinha nessas festas jogos de azar, caipira com um, dois e ou três bozois (esplandim), trinta e um, relancim.

O boi de Birico era o máximo, fazia muita graça à falação de todos os personagens, principalmente o enredo desenvolvido por Catirina, Mateus e Birico.

Atualmente o termo birico já não é mais sinônimo de alegria como antes no meio do povo, uma vez que é a menor porção do famigerado "crack" no mundo dos usuários de baixa renda da sociedade urbana ou rural.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 29/07/2022
Reeditado em 30/07/2022
Código do texto: T7570357
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.