Teoria do Caos e a Ciência do Direito
Estudar a Ciência do Direito é estudar um objeto complexo, enfim, é cogitar no fim das certezas, pois a ciência não mais se limita às situações simples e idealizadas e comparece a complexidade do mundo real; não mais se limita de acordo com Edgar Morin, na inteligência compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista que rompe com a inteireza do mundo em fragmentos soltos e que fraciona os problemas que separa o que está ligado, unidimensionaliza e o multidimensional.
O caos é uma das nações que foi desenvolvida por Gleick que invadiu todos os campos das ciências humanas, seja da física quântica, quando Prigogine que se utilizou do conceito, passando por outros ramos de saberes.
A certeza e exatidão não são mais paradigmas das ciências, muito menos das Ciências Sociais, cujo relativismo ganhou muita força e, se estendeu para o Direito que é muito interpretativo e, portanto, sofre as inúmeras possibilidades de interpretação e quebra com o princípio da certeza racional e pragmática na resolução dos casos concretos.
De fato, Morin lecionou a necessidade de restaurar a racionalidade contra a racionalização, pois é preciso considerar racionalmente o mito, o afeto, o amor, a mágoa; a verdadeira racionalidade está aberta e dialoga com o real que lhe resiste, ela não é apenas crítica, mas sobretudo, autocrítica.
Nas relações que abordam a complexidade, à transdisciplinaridade e ao caos, surge a questão. O que, afinal é o caos?
A mitologia explica que no princípio de tudo, o que existia era o caos e que este se refere à esfera do não ser. Antes mesmo de alguma coisa existir, o que existia era o caos. Na esteira de Gleick, como a ciência do imprevisível e da incerteza compactuada por Morin. A teoria do caos é descrita como sensibilidade extrema às condições iniciais.
O caos questiona infinitamente a possibilidade de realizarmos previsões de longo prazo sobre qualquer sistema, e neste sentido, dentro do Direito, pois mesmo diferenças mínimas das condições iniciais podem levar o sistema a gerar resultados diversos.
O que nos leva à noção do Efeito Borboleta, pois mesmo uma cadeia de eventos aparentemente desimportantes que muda os acontecimentos através do tempo e leva a resultados imprevisíveis e mostra que toda experiência é única e aleatória. Tomando a teoria do caos como fundamentação, tratando-se de previsões jurídicos de longo alcance pode ser uma possibilidade fadada ao fracasso, porque tudo muda constantemente e, afeta a forma de disciplinação do Direito às relações sociais.
A infinidade de eventos nos impede de afirmar as previsões quanto ao futuro e, pela teoria do caos, os fatos, a história não tem efeito linear, pois, se relaciona, por sua vez, ao número infinito e complexo dentro do sistema. Mas, a ciência e sua evolução buscam certezas, exatidão e determinismo.
A História da humanidade desde a época pré-socrática de acordo com Nietzsche, a questão do determinismo está no centro do pensamento ocidental e, a ciência do Direito se constituiu como baseada na racionalidade, na certeza e na busca incessante da exatidão.
A prevalência de explicar-se os fenômenos jurídicos pelo modo da racionalidade, deu-se por haver a necessidade de haver a segurança jurídica. E, de acordo de Prigogine, situa-se atualmente no ponto de partida de uma nova racionalidade, que não mais identifica a ciência e certeza, probabilidade e ignorância.
Tem-se o desenvolvimento das ideias como se fosse flechas no tempo, que afirma que todo tempo é irreversível, em razão da própria obviedade do tempo não voltar, seja nos fenômenos químicos, e da natureza, como também nas situações jurídicas, fazem com que analise a impossibilidade do retorno ao status quo e a aproximação do jurista com o historiador e com o antropólogo, já que há necessidade de reconstituição de um passado que não existe mais.
Ao aproximar a teoria do caos do universo jurídico, percebe-se que não é possível ter certeza de absolutamente nada, nem mesmo das motivações que ocasionaram determinado crime julgado em sede de Tribunal do Júri, nem mesmo qual será o veredicto.
Segundo Lopes Junior, a incerteza está introjetada em todas as dimensões da vida. A mesma incerteza que também comparece na solução de casos jurídicos porque as situações são únicas e sempre se renovam, e o que é determinante na resolução desses casos concretos, é a emoção que se apossa dos personagens e os espectadores da cena da vida.
No palco do Direito, uma decisão jamais volta atrás. E traz efeitos prospectivos, isto é, efeitos futuros, do momento da decisão em diante, a exemplo de uma concessão de liberdade provisória ou de uma prisão ilegal. A partir daí, para trás, que era o efeito inverso, nesta situação, a prisão do infrator. Toda decisão, no fundo, é irreversível e traz efeito que se prolonga e, gera outras, e geram prismas multicoloridos.
Observando-se os personagens integrantes na ação judicial, ou num julgamento do Tribunal do Júri tem-se a compreensão de que todo fato jurídico é novo e traz suas próprias especificidades, suas novidades e suas características peculiares.
A reconstituição do que já ocorreu dá-se pela lente dos advogados, defensores públicos, promotores e juízes e aguardam decisões para situações novas e irreversíveis.
E, tal qual personagem de enredo real há angústia diante do total falta de certeza do que ocorrerá no desenvolver das fases processuais e nos desfechos jurídicos, malgrado absurdos, surreais dentro do labirinto inesgotável das possibilidades emocionais dos que da cena participam.
De fato, a aplicação da teoria do caos ao Direito é possível, tendo em vista a complexidade de todo sistema jurídico que apresenta um dinâmico não linear e sensível às condições iniciais. Considerando o sistema jurídico como um sistema aberto, conferindo à cientificidade à noção de incerteza e afastando a clássica perspectiva de certeza e completude.
Ademais, a proteção da dignidade da pessoa humana tida como valor e princípio fundamental implica em superação da validade normativa
em seu aspecto formal, pois implica na consideração do caso concreto, que em conjunto com todos os demais valores e princípios fundamentais orientando a formação normativa para o caso concreto, a partir de todas as regras do sistema, dando a apreciação hermenêutica adequada.
Enfim, cada norma que emana do sistema jurídica traz em sua totalidade valorativa, conferindo a hermenêutica através da interpretação tópico-sistemática.
A falta da certeza da lei vem de sua polissêmica linguagem e, ainda a complexidade vinda do processo democrático. A necessária interdisciplinaridade e de criação normativa voltada a obter a máxima efetividade que possível dos direitos fundamentais, sempre visando prover a adequada proteção da pessoa humana, o que nos dá o contexto que comporta a aplicação da Teoria do Caos do Direito.
O Direito cria ficções sociais que juridicamente reais e relevantes, tais como os conceitos de cidadão, estrangeiro, sociedade, Estado, nação, responsabilidade civil e, etc., considerado que a Ciência do Direito é constituída de histórias escritas por legisladores, juízes, tribunais que descrevem o bem e o mal e sobre os motivos para ter razão sobre o poder e a vulnerabilidade, a família, a educação, a segurança, a saúde, a vida, a morte, o perdão ou excludentes.
São histórias que se mostram inseridas em normas e que, mesmo sem o querer, traz um enredo que mais parece apontar para personagens num romance ou numa tragédia.
Diante do formalismo do positivismo vitorioso no século XX, e se arrasta até os presentes dias, ignorando contextos, personagens que são mesmo o real motivo da existência de qualquer romance ou tragédia. O Direito, por vezes, tendo em vista a riqueza e variedade extrema da jurisprudência parece esquecer que narra a história e se refere aos seres humanos em toda sua complexidade e essência.
Depois de alguns anos estudando o paradigma positivista e, consolidado na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, chega ser risível as suas pretensões epistemológicas de neutralidade e de autonomia científica. Lembremos que a prerrogativa do julgador em usar seu livre convencimento motivado é também fonte de inequívoca narrativa fática que corrobora para toda complexidade reinante.
Afinal, o magistrado ao usar de sua prerrogativa tem, simultaneamente, o direito e o dever de avaliar os fatos e aplicar a norma jurídica e justificando sua decisão. Não é apenas quanto à prova que o julgado é livre para se convencer. Além desse dado probante, também é livre para se convencer quanto ao direito e justiça da solução a ser dada no caso concreto.
Concluímos, que o Direito se afirma verdadeiramente através da interpretação, o que nos revela o emaranhado de teorias da justiça e, ainda, a revelação de que o Direito é amplo, vasto, dúctil, aberto e, principalmente, múltiplo.
Referências
ALVES, Ana Clara da Rosa. Direitos Fundamentais e Sistemas Caóticos no Direito Público e Direito Privado. Disponível em: https://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/2452/1/000448331-Texto%2bParcial-0.pdf Acesso em 24.5.2022.
LEITE, Gisele. O que vem a ser o direito? Do mínimo ético a uma potência moral (segunda parte). Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/o-que-vem-a-ser-o-direito-do-minimo-etico-a-uma-potencia-moral-segunda-parte Acesso em 29.5.2022.
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução de Eliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2006. pp. 116.
HESIODO. Teogonia: A origem dos Deuses. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 35.