DE VOLTA AO LAR

Conforme o avião ia pousando no aeroporto internacional de Maceió, um misto de emoções agitava dentro de mim. Fazia quase vinte anos que eu não voltava ao Brasil. Fui para Portugal quando tinha apenas dezoito anos; ainda me recordava da situação que eu estava quando parti. Minha mãe havia falecido, dois anos antes da minha mãe, foi meu pai quem partiu desta vida. Eu estava sozinho no mundo, então recebi essa oportunidade de morar na Europa. Não pensei duas vezes.

Estar voltando para casa me fez sentir alegria, tristeza, saudade e nostalgia.

Quando deixei o aeroporto, aluguei um carro para ir até o povoado de Canoa de Baixo, lugar onde vivi minha infância e adolescência.

O povoado ainda era o mesmo, mas muitas coisas haviam mudado, as ruas ainda eram sem asfalto, mas as pessoas não eram mais as mesmas. Andei por algumas horas, indo e voltando por aquelas ruas que me viram crescer.

Estacionei num restaurante; quando sai de Canoa de Baixo, esse restaurante não existia. Quando entrei no estabelecimento, reconheci o dono; era Zinho, um menino que eu brincava quando criança. Eu o reconheci, sempre fui bom com fisionomia, mas ele não me reconheceu.

— O que o senhor vai querer? — ele me perguntou.

— Qual o melhor prato de vocês?

Ele respondeu e foi preparar para mim.

Após me saciar, pedi um café e iniciei uma conversa com Zinho.

— Há quanto tempo existe esse restaurante?

— Já tenho ele há cinco anos. Meus pais deixaram uma pequena herança para mim, investi tudo aqui. Não rende muito, mas estou tocando meu próprio negócio.

— O local é aconchegante. — Falei. — Você não me reconheceu mesmo, não é? — indaguei, bem-humorado.

— Desculpe-me, senhor, mas não faço ideia de quem seja. — Ele disse com sinceridade.

— Já faz muito tempo mesmo. Sou eu, Antônio. A gente brincava juntos quando criança. Sou filho do senhor Zé, e da dona Isaura.

Zinho ficou um tempo embasbacado, e me deu um abraço.

— Tonhão Pé-De-Rato, não acredito! — Zinho me chamou pelo apelido, pois quando jogávamos bola, eu era o pior da turma.

Conversamos por horas a fio. Ele me contou dos amigos que foram embora e dos que foram morar com Deus. Da velha turma, poucos ficaram no povoado. Senti-me criança outra vez, lembrei dos joelhos esfolados, das brigas bestas por causa de bola; da rebeldia na adolescência, das bebidas e dos cigarros. Na época eu não sabia, mas como eu fui feliz. Tinha minha mãe e meu pai, tinha meus medos e as minhas conquistas. Tudo foi voltando, a caixinha com minhas memórias de Canoa de Baixo foi aberta.

— Lembra quando teve a fogueira de São João e você ficou com raiva porque a Clarinha te deu um fora e você mijou na fogueira? — Zinho me perguntou.

— Bons tempos, meu amigo. Lembro também que eu e o Pedro te levamos para casa, depois que você bebeu tanto que mal conseguia parar em pé.

— Pois é! Naquela época eu bebia muito. Agora tenho duas filhas e preciso dar o exemplo.

— É ótimo ter por quem lutar.

— É, sim! Mas até quando você vai ficar por aqui?

— Na verdade, estou indo embora. Vou pernoitar em Maceió e amanhã vou para o Rio de Janeiro. Estou de férias.

— Com o que está trabalhando?

— Sou repórter num programa de televisão em Portugal.

— Muito bom! Todo sucesso para você.

— Muito obrigado!

A gente conversou mais um pouco. Ele fechou o estabelecimento e foi para casa. Eu ainda circulei um pouco pelo povoado. Não pude evitar chorar um pouquinho. A fase mais importante da minha vida foi vivida aqui. Passei pela casa onde cresci. Uma nova família habitava lá, uma nova história estava sendo escrita em cima da onde foi a minha.

Peguei a rodovia e voltei para a capital. Canoa de Baixo foi parte da minha trajetória, hoje já não era mais; o povoado me abrigou em suas raízes, mas agora nada meu estava lá. Assim é a vida, um dia temos um cantinho onde fazemos nossas memórias e chamamos de lar, já no outro, não temos mais nada e nossa casa se torna qualquer lugar.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 27/07/2022
Código do texto: T7568896
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