PASSO A PALAVRA…

Prof. Antônio de Oliveira

Embora não possa responder pela autenticidade da carta, reconheço que o recado me sensibilizou. Agradeço ao WhatsApp. Trata-se de uma carta de agradecimento de aluno da rede municipal de Rio das Pedras, Interior de São Paulo. Suponho. Não consta o Estado da União. Eis o texto:

“Oi Escrevi essa carta para agradeçer os seus maravilhosos trabalhos por fazer a merenda, nunca comi uma comida boa e maravilhosa como essa! Tem pessoas que reclamam da comida, mas eu fico agradeçida por vocês! Agradeço a Deus todos os dias...”

Esse assunto me reporta a Márcio Almeida, autor de Minha Escola é Sopa. Um relato emoldurado de lirismo, em estilo terno, porém denso e tenso, dada a triste realidade. O livro, que eu li há décadas e anotei, na ocasião, pois tenho esse hábito, poderia ser interpretado assim. Para o menino rico, de nome Mateus, “Minha escola é sopa” em sentido figurado, como coisa fácil de fazer. Com relação ao garoto pobre, Carlinhos, para quem a escola é sopa, há um retrato de quantas crianças brasileiras que vão à escola por causa da sopa, da merenda. Haveria, também, outro retrato, esse apenas insinuado, de que a escola é sopa também para os que têm condições normais de cursá-la, a escola brasileira, de modo geral, é empreendimento que se pode realizar e vencer com relativa facilidade

A narrativa é na primeira pessoa, estilo simples, e em que predominam os diálogos. Era dia de prova de Matemática. A professora anunciou que iria dar zero a todo mundo que não comparecesse à prova. Carlinhos, o menino pobre, não compareceu.Mateus quedou pensativo, lembrando-se das conversas que mantivera com Carlinhos e do dia em que fora visitar o seu barraco, no bairro Cristo Redentor.

Carlinhos era órfão. Seu pai morrera soterrado, quando do desabamento do Conjunto da Gameleira, em Belo Horizonte, em 1971. Sua mãe era lavadeira. O dinheiro mal dava para a comida.

O menino pobre, além de perder a prova, deixou de assistir à aula, dois dias seguidos. Quando apareceu, estava com o pé inchado. Contraíra bicho-do-pé; extraíra-o com agulha velha....

Apesar da intervenção de Mateus, a professora, sem considerar a possibilidade de dar nova chance, sentenciou:

– Carlos Pio da Silva, nota z-e-r-o!

Como Carlinhos se decidisse a deixar a escola, a professora também decidiu marcar prova para ele noutro dia.Chegou o dia da prova e Carlinhos não estava...O final, deixo-o à surpresa da leitora, leitor.A tragédia não é contada aqui para não desestimular a quem se disponha a ler o livro todo. Em todo caso, impressiona, comove, sensibiliza constatar que, para Carlinhos, como para tantas crianças brasileiras, de barriga vazia, a escola é sopa.

Para que isso não aconteça, lembro Malebranche.:

“É preciso sempre praticar a justiça antes de exercer a caridade” .

Antônio Oliveira MG
Enviado por Antônio Oliveira MG em 23/07/2022
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