Trajetória do tempo
O tempo, criação de Deus tão curiosa. É paradoxalmente fixo, mensurável, mas em nosso sentir mostra-se tão variável. A saudade, por exemplo, faz um tempo curtinho parecer anos ou décadas. Queremos que a pessoa querida volte ou que vamos correndo ao seu encontro. E se ela não voltar nunca mais por estar ocupando outra dimensão o amor é muito, muito mais poderoso do que o tempo, amor é força indestrutível. Por outro lado um longo tempo sem ter notícias de alguém estimado não reduz nosso afeto se este for real e estiver presente.
Quem nunca experimentou isso?
Se estamos em estado de graça queremos que o tempo estique ao máximo, mas o tempo físico é um só. Queremos que os filhos permaneçam pequenos para ficarem sempre ao nosso lado e não reclamem que os beijemos e apertemos, mas eles crescem tão rápido e se envergonham dessas manifestações efusivas de afeto. Existe o ditado que tudo tem um tempo certo para acontecer, mas frequentemente é tão penoso aguardar ou aceitar. A perda de uma pessoa querida ou situação acolhedora não há tempo que corrija, só abranda, mais rápido se a pessoa professar alguma fé. Mas esse tempo de luto e dor se arrasta, o luto demanda luta para prosseguir, sabendo que o futuro reserva outros momentos de felicidade mesmo que demore. Aqui a fraqueza não tem vez, é mandatório não desistir.
Tentamos algumas vezes nos iludir que o tempo é capaz de acelerar caso nos ocupemos mais tentando “ajudá-lo” a passar. Tem gente que dorme longas horas, é subterfúgio. O tempo é etéreo e fluido, não se pode represar ou aumentar seu fluxo. Ou sim, mas só nos domínios da nossa mente criativa. Fatos que fizemos e vivemos há décadas podem conservar as mesmas cores, se forem marcantes não irão desbotar, mas tem um gosto de uma outra vida dentro da vida, feito a parte dois e três do mesmo livro volumoso. E é bom que assim o seja, pois é sinal de renovação e maturidade.
De fato é curioso o tempo. Há episódios sobre mim que fiquei sabendo por terceiros, pois o que disse ou fiz os marcou, mas não a mim, e vice-versa. O tempo apaga porque a mente não é capaz de reter cem por cento de tudo (ao menos a nível consciente), então vai selecionando memórias ao longo dos anos e é por isso que temos certas imagens tão vívidas da infância distante. E tudo depende do que não queiramos que o tempo leve, cultivando memórias, revisitando lugares, vendo fotografias, ouvindo músicas que nos transportem a tempos inesquecíveis. Aí, por mais que o tempo seja ventania, somos uma imensa parede rochosa que o enfrenta, não no sentido provocador, mas firme. Eu não quero esquecer, Senhor Tempo, tudo que passei me moldou e me trouxe até aqui, até mesmo as cicatrizes.
Enquanto vivermos neste planeta teremos noção do tempo uno, mas não esqueçam que a mente pode vez por outra entrar numa nave espacial inventada e percorrer espaços onde o tempo não existe tampouco a gravidade. Nada tem gravidade, nem mesmo os dissabores que a todo momento aparecem. E se algum aparecer, podemos deixá-lo em alguma galáxia qualquer. Por que não podemos voar como o tempo faz? Depois de pacificados a gente volta ao antigo posto onde o tempo comanda, mas não mais acorrenta. Somos livres em espírito.