CENA II

“ELA LÁ… OUTRA VEZ”

 

Silva estava sentado tomando uma pinga e olhando um passarinho quando a Morte sentou ao seu lado…Ela estava de preto e segurava uma foice e Silva tomou um leve susto; deu mais umas duas bicadas na bebida e o passarinho voou.

– Ele deve ter ficado com medo de você…

 

A Morte suspirou…

 

– Veio me levar…?

– Ainda não decidi. Às vezes o cliente argumenta, você quer argumentar??

– Acho que não… Tá dependendo do quê?

– Você não quer fazer nada importante…? Antes de ir? Tipo dar um braço em sua mãe? … algum parente ou amigo?

 

Silva olhou em volta, como diz “cê tá vendo algum amigo aqui, por acaso?!” observou que haviam nuvens se formando láááááá… na serra. “Vai fazer frio de noite.”, pensou… “Talvez seja melhor morrer hoje mesmo do que pra semana…”

 

– O povo mora lá em cima… não vô não, que é longe.

– Eu posso te fazer companhia na subida…

– Se eu chegar em minha mãe com VOCÊ encostada em mim… Ela nem abre a porta!

– Silva, você não pensa em dizer nada bonito pra alguém antes de partir…? Ou pedir desculpa por alguma coisa?

– Ué, e você já decidiu que eu vou? Eu vou então? Tava na pendência até um minuto… – Silva se levantou e foi subindo a Rua das Pedras cabisbaixo…

– Mais um pouquinho e isso aqui vai ficar apanhado de gente… A gente vai pro outro lado como?! Trenó? … Carruagem? Um passarinho gigante…? Ou é só piscar e já tá lá…?

– Acho que o esquema é tipo “Piscou e tá lá…”, mesmo. – Respondeu a Morte distraidamente lustrando sua foice com a barra do vestido.

 

A tardinha estava linda… Parecia que o mundo era feito de prata. Dali eles viam uma Igreja do Senhor dos Passos, no alto, lá longe… E do outro lado era gente descendo e subindo, gente descendo e subindo… gente descendo… gente subindo… gente descendo…

 

– Eu gosto desta cidade… É agradável. Dá pra conversar… Tem lugares que a gente não consegue nem organizar a contabilidade direito.

– CÊ JÁ VEIO DISFARÇADA DE GENTE PRA FAZER OS PASSEIOS?! Conhecer o parque…? Dormir numa pousadinha?

– Eu venho o tempo inteiro, mas só de serviço… e quem disse que me disfarço de gente, ô maluco?!

– Ah, não vêm não… Sempre tem uma história assim.

– Cê tá me confundindo com Deus. Esse sim… vive se disfarçando! Meu trabalho é só de devolução de pacotes mesmo.

– E você toma uma…?

– Hummm… – A Morte pegou o copo.

– Não é das melhores não, mas… Beba aí. Quando terminar o copo a gente vai na próxima carruagem…

 

 

– Eu não disse que a gente ia de carruagem…

 

*fim_sem_fim*

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 22/07/2022
Código do texto: T7565594
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