TARDINHA EM LENÇÓIS - Cena I - "O Prata e a Hidrocor"
– Sem camarão por favor, fechado. Sem nada. Só os bolinhos… obrigado. – A tardinha em Lençóis muitas vezes é prateada. Alan notou isso e sentou-se no banco, pondo o acarajé em cima do colo. A mulher veio e sentou ao seu lado. Ela olhou o céu, olhou a igreja que era o máximo que havia abaixo do céu por ali… Suspirou. – Sim, fica prateada, né…? – Perguntou Alan…
– QUÊ? Que é que fica prateada?!
– Ah… A cidade, ué. Fica prateada nesse horário…
– Não vejo nada disso. – Ela respondeu dando de ombros, mas sem tirar os olhos da vista.
– Desculpa. Quer dizer: “mais ou menos desculpa”, né?! Você que veio… e sentou em minha zona. Alan passou a resmungar sem olhar pro lado. “ah, muito perto, muito perto…” Ela era chilena… seus cabelos eram enormes, negros. Sua pele parecia de madeira… Ela o encarava… de início irritada, pronta pruma discussão, mas depois, achou graça em sua cara. Alan era magro, curvo, cheirava bem e suas roupas estavam folgadas “até demais”. Sua atitude de continuar resmungando pra dentro (sem parar)… Fazia-o parecer um desenho animado rabugento e ela continuou olhando pra ele prendendo uma gargalhada que ele mal percebeu… O achou estranhamente atraente. – Ei! O que é exatamente esta sua… “zona” que eu atrapalhei??
– Assim…! Eu podia falar e só EU mesmo ia ouvir e pronto. Tipo assim: Dá pra sussurrar… mas tudo pra si… tendeu? Aí você sentou perto demais!
– E seu “grande pensamento” dentro dessa tua “grande zona da inteligência” é que a cidade fica prateada de tarde?
– Bah… Você tirou toda a graça da coisa…
– hahhahahaa…
– Jogou tinta aguache. Daquelas de aula de arte… Pintou de hidrocor. Lençóis era perfeita e você destruiu a beleza dela… E agora eu vou morar em…em… em… Em breve descobrirei, o Google não funciona aqui. E você terá que se contentar com essa COR HORROROSA de primário! Que VOCÊ MESMA pôs na cidade toda. Nas casas… no chão… na igreja… no céu. Alan se levantou, a mulher ficou lá. Ela o olhava de longe, sorrindo e se divertindo. Acreditando que num dado momento ele voltaria sentaria com ela. Olhando-a nos olhos… Imaginando que a partir daquele “teatrinho” ele fosse querer conversar mais “profundamente”. E Alan se sentia – realmente… sozinho. Mas não sempre. Ele se sentia só… mas só de vez em quando. Ele se sentia “vagamente” sozinho… E ela o achou lindo… Distinto… Brilhante. O rio fazia um barulho danado, muita chuva na noite anterior. As poucas motos que ainda passavam, roncavam do outro lado da pista. “OS SAPOS QUANDO CRUZAM, PARECEM CANTAR!!” – Ela gritou pra Alan… que não virou pra olhar. - “Oxente… esta mulher e maluca…”.