HOLOCAUSTO NUNCA MAIS!

A MARCHA DE MICHAEL STIVELMAN

Nelson Marzullo Tangerini

Em 1998, fiquei deveras comovido após leitura do livro “A marcha”, de Michael Stivelman, Editora Nova Fronteira, em que o escritor relata os pogroms na Romênia e na Ucrânia.

Sensibilizado com tanto sofrimento imposto ao povo judeu, na Romênia, escrevi uma carta ao Sr. Stivelman, afirmando ter lido seu precioso livro.

Dias depois, recebo carta do Sr. Stivelman, contendo longo texto de Pedro Bloch: um presente de valor inestimável:

“A MARCHA

Não faz uma semana e a palavra ‘Marcha’, para mim, era associada ao jogo infantil 'Marcha, soldado, cabeça de papel' (que eu, garoto, cantava com os meninos de rua); às marchas do colégio Pedro II; às marchinhas de Carnaval do meu fraterno Braguinha, à Marcha Turca, aos SPAs, ao Cooper, à marcha dos vinte quilômetros de meu serviço militar...

De repente, vem o impacto de “A Marcha”, o extraordinário livro de Michael Stivelman, que me deixa estarrecido, diante da monstruosidade de uma tortura que é o simples ato de marchar, essa coisa que a ternura associa ao primeiro passo do bebê e ao dito popular de que ‘a marcha das mil milhas começa com o primeiro passo’.

A satânica ordem para que milhares e milhares de seres humanos marchem até esgotarem seu último vestígio de vida, nos dá uma sensação tão sofrida, tão pungente, tão angustiante, que ficamos envergonhados de nossa condição humana. Dita humana.

Um livro que transpira uma dor lancinante, uma dor por vezes decanta, mas nem por isso diluída, um livro que nos contagia, que nos dá vergonha de não termos caminhado juntos.

O autor os relata, tantos anos depois, o que não poderia guardar, pois não cabia dentro dele, aquele testemunho do que o homem convertido em monstro é capaz. Aquilo que o sufocou durante decênios e imagino que cada passo que dá, ainda hoje, é um eco remoto dos passos dados sofridos, intermináveis.

Passos a caminho do fim, na trilha, do desespero. Agora são passos de uma marcha de progresso, de vida, de solidariedade. Um milagre!

Acho que qualquer análise desta obra singular jamais alcançará o conteúdo relato por um protagonista, que disseca sua dor, minuciosamente, para transformá-la, surpreendentemente, em luz.

Imagino Spielberg lendo este livro, antes de ter filmado “A lista de Schindler”. Esta marcha sinistra rivaliza com os fornos e as câmaras de gás.

‘A Marcha’ expressa a carga de perversidade de que o homem é capaz e, paralelamente, nos redime, no sentido de que a nossa marcha de cada dia possa salvar, nos despe de nosso egoísmo, para sentirmos a dor do outro.

É um livro que nos marca, nos alerta, nos caustica e nos mostra que um homem que vence esta incrível tortura, atinge o mais alto de sua condição.

‘O caminho se faz ao caminhar’.

Para Michael Stivelman seria uma marcha de paz, de amor e segurança. Ele nos surpreende com uma obra que traz novas luzes às trevas vividas por nossos irmãos.

Que a vida possa ser luminosa para todos é a síntese do que quer dizer quem tanto sofreu e tanto calou.

A obra nos faz despertar, ainda mais, o respeito humano, multiplicado pela dor daqueles que sofreram essa terrível marcha.

Michael Stivelman acende uma chama de esperança e é modelo vivo do que o homem pode alcançar, após uma marcha, tanto tempo sufocada e que, agora, nos faz sentir em dívida com toda a Humanidade, por aquilo que sofreram por nós.

‘A Marcha’ é um livro que torna Michel Stivelman irmão de todos nós.

Pedro Bloch”.

Abaixo do texto de Bloch, o Sr. Stivelman, escreve-me um curto bilhete:

“Agradeço muito o seu telefonema e, conforme prometido, estou lhe remetendo a interpretação pelo famoso teatrólogo Pedro Bloch.

Michael Stivelman, Rio, 27-4-98".

Não guardei minha primeira carta enviada ao autor do livro, mas posso imaginar que tenha escrito algo que tenha justificado um retorno, com texto de Pedro Bloch, que expressa melhor o que “A Marcha” representa para um leitor que se sensibiliza com o sofrimento do povo judeu. E é por isto que trago esse pelo texto de Pedro Bloch em sua íntegra emoção.

Em 2022, volto a ler essa cartinha do Sr. Stivelman, tentando entender por que o presidente do Brasil recebeu, no Palácio do Planalto, em 2021, a líder de um partido de extrema-direita, mesmo que essa senhora fosse descendente de um oficial nazista.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 21/07/2022
Código do texto: T7564683
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