🔵 Noite dos clichês
Todos faziam questão de estampar uma cara de quem estava num bar de rock. Eu estava num território manjado, onde quase todos se esforçavam para parecer alguém mais interessante do que realmente eram. Com meu jeito despojado, bem como a parada repentina naquele barzinho, me faziam, sem esforço, parecer alguém pior do que realmente eu era. Isso às vezes funcionava, porque o campo para surpreender é enorme. Entretanto, algo poderia me introduzir num “lugar-comum”: o gosto por clichês.
O bar até que era bem legal, parecia e tinha o clima do porão de um navio — foi essa minha melhor descrição —, tinha uma boa banda de rock e estava lotado. Tudo dava a impressão de estarmos numa festa americana, na qual todos sabem os papéis que tinham a obrigação de representar. Cada grupinho refratário a interferências ou alguma mistura comprometedora: populares, atletas, nerds, esquisitos e os sem-grupo. Essa configuração é muito ‘Sessão da Tarde’, muito clichê. Esse desenho já seria o bastante para eu observar a ridícula movimentação, a diferença é que eu estava no meio daquele filminho meio bobo.
Para agitar mais ainda o que já não prometia tédio, um cara covarde e embriagado além da conta espancava sua (dele) namorada no banheiro. O boteco parou para conferir o que interrompia aquele caos organizado. Os seguranças aproveitaram a oportunidade de encontrar um indivíduo mais covarde que eles, então surraram, com alguma legitimidade, o rapaz. Com algum eufemismo, eu diria que o cliente foi “convidado a se retirar. Na verdade, ele foi jogado pra fora do nosso novo “templo de diversões”. Contudo, o baterista aproveitou o clima permissivo para tirar sua “casquinha”. O baterista, vendo que os seguranças transportavam um corpo desfalecido pelo álcool e alguns golpes, juntou as baquetas numa mão e castigou o outrora agressor como o bumbo de sua bateria.
Meio que querendo voltar para o ambiente de confraternização e seguindo aquele tácito roteiro clichê de classificação livre acima dos 14 anos, eu fui impulsionado a romper aquele silêncio constrangedor. Gritei “ROCK AND ROLL”, a banda começou a tocar e os clientes a beber, rir e conversar. Assim, a festa seguiu seu roteiro previsto, sem cortes, previsto como os clichês.