UMA VELHA CAPA DE GABARDINE

 

 

Já estava bastante usada e desbotada a velha capa de gabardine bege que mamãe usou por anos, em dias de chuva, quando ia para o Colégio Sta Terezinha dar suas aulas de Economia Doméstica e Trabalhos Manuais para o segundo grau. Pode alguém imaginar que estas duas matérias faziam parte do currículo daqueles anos da década de 1950, quando se ensinava crochet, bordado, desenho, pintura para jovens adolescentes? E como aproveitar alimentos, fazer uma contabilidade doméstica da renda e despesas familiares? Costurar e remendar as roupas, evitando compras desnecessárias? Colocar no prato só o que se pode comer, para não jogar comida fora? Pois era isso e mais um pouco o que minha mãe ensinava.

 

Mas voltemos à velha capa bege do início. Quando minha mãe se aposentou, passou a usar a velha capa como proteção de suas roupas quando pintava o cabelo em casa. Fez isso por anos e a vestimenta agora estava toda manchada de tinta. Usava-a também, em dias chuvosos, ao tratar as galinhas, trocar a água e procurar ovos no galinheiro. Tínhamos um grande terreno e uma parte dele foi usada para a criação de galinhas. Meus pais gostavam muito desses animais, mamãe conversava com elas, mansinhas, pegava-as ao colo, como se fossem íntimas. Nunca teve coragem de abater um único animal, que morria de velhice. Comprava-o limpo e cortado no açougue de Seu Leopoldão.

 

Depois de um tempo, quando a capa apresentava grandes manchas escuras, ela percebeu que quando entrava no quintal das galinhas, elas fugiam assustadas, corriam para longe, emitindo uns barulhos esquisitos, certamente, de temor, não mais a reconheciam como amiga e protetora. Antes, vinham comer em sua mão.

 

O galinheiro só foi desativado quando mamãe completou 93 anos e a atividade ficou perigosa, depois de uma cirurgia para a colocação de uma prótese no quadril. Foi com muita tristeza que ela vendeu os galináceos e conformou-se em ir morar com os filhos. Estava só e se locomovia com a ajuda de bengala e andador.

 

Coube a mim desfazer-me da surrada capa, ao fazer o inventário de seus pertences pessoais após seu falecimento, aos 96 anos. O abrigo ficara esquecido em sua casa. Triste e difícil tarefa.

 

 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 20/07/2022
Reeditado em 20/07/2022
Código do texto: T7564085
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