Dores de Parto
Quero fugir. Mas como posso fugir de mim mesma? Penso numa casa de campo. Bolo fresco com cheiro do aconchego de quem já não está mais aqui para mim.
Vejo-me com dores de parto. Dores pelas quais anseio agora mais do que tudo. Porque as dores de parto nos transportam para um outro lugar. Para aquele momento em que nada mais importa além de colocar um filho no mundo.
Vejo-me de cócoras, no meio do mato, segurando-me e esforçando-me na esperança de uma realização. De uma concretização de algo que transforme as minhas dores em alegria. Como eu desejo essa dor. Como eu desejo parir.
Parir os sonhos represados pelos muros de concreto da cidade, que interrompem gestações e partos no lugar que é só meu. Arranca meus filhos e me deixam um vazio materno. O vazio da desesperança. Desespero, dor, mas não são as dores de parto. Então para onde vou fugir? Como posso fugir de mim mesma?
O relógio toca. É hora de despertar para mais um dia em que tudo se repete. O tempo passa sem que passemos por ele. Tentamos alcançá-lo, convencê-lo a nos levar e mostrar nosso valor, mas ele olha para trás indiferente. O tempo não se comove. Ele não espera. Só há um momento em que ele para, para assistir. O momento em que ele vê uma mulher com dores de parto. Ela está a gerar. Está prestes a dar a vida. A sua vida. A colocar o que a incomoda, o que dói e o que ama para fora de si, e tudo o que ela deseja nesse momento é expelir. Expelir de seu ventre a sua grande obra. Este é o seu grande ato. Uma plateia vazia não contempla a beleza desse ato de profunda dor e alegria.
Como eu quero fugir. Fugir para o meu grande ato solitário do teatro da vida. Fugir da dor sem sentido e sem razão para a qual o tempo não olha nem se importa. Eu quero as dores de parto. Eu quero parir. Neste lugar solitário e solidário para onde posso fugir de mim mesma e me encontrar. Em que o tempo vai finalmente parar e me olhar.