A mãe da fome
Parou a minha frente com a feição já de morte, um temporal no olhar e nenhum único dente à vista. O corpo magro e envergado arrastava um carro de sorvetes encarnado, os quais, ao fim do dia, lhes deixaram o apurado de dezessete reais. Pediu-me as sobras de alguns camarões, mas acabou por recolher todos os restos que estavam sob a mesa numa sacola plástica. Saiu comendo os sobejos por seu trajeto quilométrico pela orla Potiguar. Envultou-se como quem fez as rezas de São Cipriano, e não sei que fim levou essa mãe famélica. Amaldiçoada, já com as tripas vazias, não foi agraciada com nenhum troféu vindo do céu, do mar ou de alma vivente, pois a ninguém interessa uma mulher seca e mutilada.