Domingo tem cheiro de saudade e lasanha

Ando cansada

Cansada de andar atrasada

Cansada dessa ansiedade que aos poucos me mata

Emocionalmente cansada.

Cansada porque além de sentir que algumas coisas me matam

Ao meu redor, pessoas queridas também morreram

A morte pessoal e aos poucos, do dia a dia, é subjetiva.

A morte de pessoas queridas, infelizmente, é literal.

Tentei sair, p/ distrair...

Na hora, parece que funciona, mas depois, o vazio vem cheio dinovo...

Sexta, saí p/ tocar forró. Era trabalho.

Eu que tinha passado a semana toda amoada, fui brincar de fazer música p/ ver se aliviava um pouco...

Toquei. Ao meu lado, enquanto meu amigo sanfoneiro tocava, me peguei olhando com olhar triste e bonito, p/ sanfona...

Lembrei que meu avô, pouco antes de morrer, queria ter comprado uma sanfona novamente. Isso porque ele tinha se arrependido de ter vendido a sanfona antiga dele, que não tenho lembranças, porque ele se desfez quando eu era criança...

Mas então, pois bem, olhei p/ sanfona e imaginei levar esse meu amigo na casa do meu avô, só p/ ele ouvir aquele som bonito da sanfona dinovo.

Mas meu avô já não está mais aqui...

E nem deu tempo da gente tocar juntos...

A sanfona. Ah, a sanfona...

A sanfona...Quando chora, chora bonito.

É como uma poesia triste...

Voltei do forró e no sábado, tinha batalha de poesia.

Mas eu tava triste e vazia... E não quis sair de casa assim. Parte de mim, não conseguia. E essa parte venceu...

Não queria sorrir, quando no fundo tava com vontade de chorar.

Era um choro preso difícil, ansioso e dolorido. Não era choro bonito, como da sanfona, nem bonito como poesia triste.

Era choro preso, de garganta entalada, de gente adulta, que quando não chora, fica doente, aí dá dor de barriga, cabeça, ataca estômago, gastrite, rinite.

Isso é sentir entalado.

Que a gente precisa ter coragem de encarar,

Pra não morrer engasgado.

De coração adoentado.

Talvez tivesse sido bom ouvir poesia..

Ainda mais sendo do meu povo, do rolê que amo, no quintal de casa...

Mas ontem, eu não tava p/ isso.

Não queria me distrair.

Queria ficar quietinha...

Era rolê de poesia de resistência.

Mas eu não tava tão resistente assim..

A real, é que tudo é estranho e gera certa culpa.

Quando fiquei triste, saí p/ me distrair, me senti culpada.

Quando não saí p/ me distrair, me senti culpada também.

É complexa e estranha as fases de um luto. Uma montanha russa de sentimentos. Negação, apatia, tristeza, raiva...um longo caminho até chegar na aceitação.

Momentos aleatórios de reflexão no meio do dia, que nos paralisa.

As vezes, deixar o sentimento passar por nós, é algo que não suportamos...

Ontem, eu não suportei tanto.

E hoje é domingo..

Hoje, fomos almoçar na casa da vó.

O vô não tava lá. Não teve dominó.

A vó pediu p/ eu orar, como fazíamos todo domingo, a pedido do vô.

Engasguei...

Nem tava me sentindo tão santa assim, tão limpa assim, p/ orar por todos, naquele almoço de domingo...

Mas talvez, assim, seja a maneira de estar mais perto do céu.

Do vô, da família, de mim e de Deus.

Vim p/ casa com choro embargado...

Fui no mercado.

Peço a Deus que me dê suporte.

Se o amor é aquilo que nos faz suportar todas as coisas, que então, com base no amor,

Que o amor seja base.

Suportemos...

Atravessando...

Meu avô...

Não era pessoa fácil em vida.

Mas afinal...

Quem é?!

Sei que nos aproximamos muito nos últimos anos...

Conversamos muito sobre roça, música, Deus, vida, morte...

Ele me deu muitos conselhos.

Durante a pandemia, almoçamos todos os domingos na sua casa.

Antes de todos os almoços, orávamos. Sempre.

Certo dia, num dos domingos, no auge da pandemia, ainda em 2020, eu tava tão cansada de só ficar trancada, que subi p/ almoçar na casa dele e levei meus instrumentos...

Pandeiro e triângulo.

Falei que tava agoniada p/ fazer um sarau, fazer música...

Aí, a gente foi tomar um sol, ficamos na calçada, eu tocando triângulo e ele tocando pandeiro...

Cantei Asa Branca.

Só tava nós dois ali, naquele domingo de pandemia, na calçada com sol...

Foi um dia tão simples e feliz.

Ele só tocava na igreja...

Não era de ficar tocando QQ tipo de música, mas eu disse que tava com tanta vontade e saudades de um forrozinho, que naquele momento, sei que ele me olhou com um olhar de afeto e compreensão, sem julgamento e tocamos... Foi bonito.

É uma memória bonita que tenho.

Sei que minha família me acha diferente... Sei que no fundo, quase me entendem...

Ele acreditava em mim.

E hoje,nesse final de semana senti saudade. Saudade grande de doer...

Talvez tenha sido a melancolia do choro da sanfona, talvez tenha sido meu choro engasgado, talvez tenha sido o ar do almoço de domingo.

Se domingo tivesse um cheiro, seria cheiro de lasanha com saudade.

CachoeiraVermelha
Enviado por CachoeiraVermelha em 17/07/2022
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