Terapia com Ele
Acordei depois de dias na UTI, mas acordei do outro lado da vida, num outro plano, como preferem alguns. Era tudo muito diferente, uma claridade que não permitia enxergar nada. Definitivamente eu não estava nas colônias espirituais descritas por André Luiz através da Chico Xavier. Fiquei extremamente confuso, e, então, percebi alguém rindo. Alguéns na verdade. Muitos risos de seres que eu não conseguia ver.
Um deles me disse que ali era uma oportunidade para eu conversar com Deus, para criar o hábito. Não era o meu lugar definitivo, eu não estava no merecimento de habitar aquele lugar. Mas, se utilizando de uma expressão comum no plano terrestre, ou plano humano, como preferem alguns, ali era agora o meu lugar de fala.
Mas falar o que para o Todo Poderoso? Pensava eu na minha falsa humildade.
A resposta veio imediata:
-Sua apreciação da minha obra. Acertos e equívocos. Gostaria muito de ouvir.
-Eu, tecer uma crítica sobre a obra da criação? Pensava eu, aflito, sem mesmo conseguir verbalizar o que pensava. Embora não fosse necessário, afinal, Ele é o onisciente.
-Sim, você é muito bom nisso!
- O Todo Poderoso estava sendo irônico? Eu não tinha certeza. A sensação era de muita paz, parecia que realmente eu poderia dizer qualquer coisa e ninguém ali ficaria ofendido.
Eu sentia mais uma vez seres que eu não podia ver sorrindo. Era muito curioso, como se fossem os anjos, querubins, da igreja católica. Ou espíritos de primeiro grau do espiritismo. Mas eu apenas sentia e sabia o que eles falavam, sem que eu pudessem vê-los ou ouvir suas vozes.
- Você sabe que a voz nada mais é do que som ou conjunto dos sons produzidos pelas vibrações das pregas vocais sob pressão do ar que percorre a laringe, né, meu caro? Aqui não temos corpos, logo não temos garganta. - informou-me um deles, sorrindo.
Eu então senti a atenção do Arquiteto Supremo sobre mim, como que aguardando minha resposta. Não tive saída, e comecei minhas considerações.
-Bem, haja vista que não há a possibilidade de enganar ao Senhor, três vezes santo, cujo nome Isaac Newton jamais ousou pronunciar sem se descobrir...
Fui interrompido, Ele não gostou da bajulação. Na verdade eu não fui interrompido, falei tudo que eu deveria dar antes de fazer minha crítica. Mas aquela sensação de estar na Presença Dele é que foi interrompida. Tudo parecia realmente vazio e sem luz agora. Algumas atitudes parecem nos desconectar do Sublime, do Bem, do Belo. E aquele momento parecia uma advertência silenciosa que não me passou despercebida.
Voltei a minha atenção ao que realmente importava.
-Preciso confessar que esta é uma pauta sobre a qual tenho refletido bastante, sobre a qual realmente eu gostaria de falar. Examinando os sentimentos mais recôndito de minha alma, embora tenha relutado em admitir de pronto, tendo pensando nisso.
Todos ali pareciam já saber de tudo que eu pensava agora. Mas faziam-se extremamente respeitosos diante de meus sentimentos e minha necessidade de me expressar.
-Por exemplo, alguns pontos do Seu projeto me parecem feitos por arquitetos de primeira ordem, com especialidade no assunto, como os arquitetos pós graduados de nosso mundo. Aqueles que realmente são apaixonados pelo que fazem e nunca param de estudar, de se aprimorar. Suas obras são capazes de nos deixar extasiados.
Outras, no entanto, com todo nosso respeito, nos dá a impressão de terem sido férias por querubins recém formados, ou ainda estagiários.
Por exemplo, o ato de comer todo dia, e eliminar resíduos todo dia. Parece-me uma grande perda de tempo. Poderia haver um sistema melhor, um alimento que uma vez ingerido se comportaria como uma bateria de longa duração.
As baratas, ah, também não vejo sentido em gastar tempo criando um ser que serve apenas para criar repulsa na gente.
Por outro lado, o céu noturno, que magnífico. Sempre gostei de contemplar as estrelas e estudar sobre a imensidão do cosmos. Sempre me impressionou não somente a quantidade, como a beleza da coisa. Aliás, a sabedoria em deixar distante as galáxias também me fascinou. Imagino que o homem, caso tivesse encontrado vida fora do planeta Terra, já teria começado uma guerra interplanetária.
De repente senti uma agulhada e percebi o olhar de uma enfermeira bem conhecida, com trajes comuns, num hospital convencional, nada de sublime, e contatei que definitivamente não tinha morrido ou passando em definitivo para outro plano. Não era minha hora.
Mas agradeço a terapia com Ele. Na verdade eu falei muito mais do que escrevi aqui, desabafei mesmo. Ansioso para uma próxima sessão.