TOINHA DA PÁ TORTA

Três pobres criaturas folclóricas andaram, sofreram e choraram pelo chão poeirento de minha cidade: Toinha da Pá Torta, Papão e Sur Lê ponte davignon. Foram maltratados, atormentados, espoliados e alvos diários de bullying. Tinham os próprios parâmetros, deveras também sonhavam, ousavam expor seus sentimentos de raiva, amargura e dor, mas aos olhos de alguns que os maltratavam não pareciam humanos e mereciam o tormento que lhes era imposto. Mas eram apenas diferentes em uns poucos aspectos, o que, para a sanha dos seus perseguidores, se mostrava imperdoável.

Toinha da Pá Torta sofria da coluna, sentia dores atrozes e constantes, mas por não ter condições financeiras de tratar corretamente o problema, com o passar dos anos o caso assumiu proporções impensaveis e transformou-se numa horrenda corcunda do lado direito de suas costas. Pobre e sem ninguém que se importasse com ela, vivia ao léu esmolando e sendo incomodada pela molecada. Jogavam lixo nela, gritavam em alto e bom som o seu apelido, tiravam a paz da coitada sempre que a avistavam. Ela xingava a mãe dos seus detratores, atirava pedras neles, ameaçava e sofria com a situação a que sempre estava submetida. Todos a desprezavam, inclusive alguns adultos. Nenhum respeito tinham por ela. Descartavam-na como se resto humano fosse. Seus dias e anos foram de dor, amargura e agonia. Viveu pouco e mal, jamais foi amada, todos a queriam pisotear, por a correr como se um vira-latas fosse. Morreu jovem, faminta, sozinha e desprezada.

Sur Lê Ponte Davignon, pobrezinha, nasceu deficiente mental e alvo perfeito para os arruaceiros, os inúteis, os bagunceiros, os vagabundos. O rosto dela, torto, olhos esbugalhados, boca esgarçada, dentes disformes, cabelos desgrenhados, infelizmente chamava a atenção da forma mais negativa possível. Além de tudo isso, desprovida criatura que se mostrava, tinha ainda os dedos das mãos grudados como alguns anfíbios, mais um tormento a tornar sua existência um oceano de mágoas. Porém, pasmem, malgrado tudo isso, vivia sorrindo, aquele sorriso inocente e sem razão dos ingênuos, embora essa característica não despertasse nenhuma comoção ou simpatia. Pelo contrário! Tornava-se motivo para ser ainda mais ridicularizada. Ante a passagem dela elas ruas só bairro, os perturbadores da tristeza alheia começavam a cantar, batendo palmas: " Sur Lê Ponte Davignon tuti lê monde passe!" Como se afrancesando a canção infantil " Lá na ponte do avião todo mundo quer passar!" Sur Lê Ponte Davignon achava que o achaque - humilde menina! -era uma forma carinhosa de brincar com ela. Então sorria, e o singelo sorriso realçava os traços de sua feiúra, atiçando os desgraçados que tentavam irrita-la. Não conseguiam, ela apenas sorria cada vez mais. Teve uma vida de utópica alegria, porque sendo mote de chacota sem saber, parecia viver no paraíso de amigos, quando na verdade vegetava no purgatório dos impertinentes. Diziam que na gravidez, quando perguntavam à sua mãe o sexo do bebê ela dizia ter no ventre um monstro. Para dívida da língua da mãe, assim foi.

Papão causava espanto, medo e asco. Também corcunda, tosco, com o ar tresloucado dos perigosos, cambaleava ao andar por causa do peso do seu tronco disforme. Odiava ser chamado de Papão, e quando isso acontecia sua arma eram as pedras, os insultos e a fúria. Mesmo assim, perseguiam-no aos brados de " Papão, Papão!" Por consequência, a cada grito de seu apelido ela jogava pedras, dizia palavrões e corria atrás dos irritantes garotos que não o deixavam em paz. As garotas da cidade tinham pavor dele, pois sua fama de tarado se tornou conhecida pelas várias vezes em que foi flagrado se esgueirando por entre as multidões para se encostar placidamente na traseira das mulheres e se deleitar com a manobra. Por conta disso, chegou a ser surrado de vez em quando por pais e namorados indignados. Seu viver não passou de um breve furacão que tudo queria e nada podia ter. Papão morreu papão, todos deram graças por ele ter deixado este mundo que tudo que mais queria dele era distância e fazê-lo de palhaço. Nada além de uma desprezível criatura.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 13/07/2022
Reeditado em 14/07/2022
Código do texto: T7558933
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