Notas sobre "Pedaço de Pau", crônica de Rubem Braga
Penso em Rubem Braga perambulando por Paris, indo e vindo, passeando vagabundo numa manhã de domingo, vendo o mundo, para depois escrever crônica. Observando atentamente a luz, as sombras das árvores, a água do rio Sena e as pessoas mas não tocando em nada nem falando com ninguém, como se isso lhe fosse proibido, como se ele fosse um viajante do tempo não querendo correr o risco de alterar os eventos que se desdobram à sua volta.
Mas que eventos? Nada de "histórico" está acontecendo, há apenas crianças brincando, o casal que caminha de mãos dadas, o rio, e um homem cego, sentado numa cadeira, debaixo de uma árvore. Braga cogita interagir com ele, mas desiste. Permanece observando apenas. Penso que ele estava absorvendo tudo como se não estivesse à beira do Sena, mas em uma cena, uma representação de Paris em tamanho real no museu do Louvre.
Gostei desse pensamento que me ocorreu. Como Braga gostou do pensamento que teve sobre o cego. Gostou tanto que foi pra casa escrever uma crônica em que pudesse incluir a frase em que pensou. Braga comparou seu pensamento a um pedaço de pau: "sólido, simples e gratuito". O meu, posso comparar a um lápis: não surgiu espontaneamente, teve que ser moldado, esculpido. Na crônica, todo o cenário à beira do Sena e os personagens que ali estavam naquela manhã de domingo se tornam o pedestal sobre o qual Braga coloca sua frase. O pedaço de pau que dá título à crônica pode se referir ao pensamento que ele teve, e não ao objeto que ele jogou no rio.
E por quê cargas d'água Braga jogou o pau na água? Será que foi por impulso, ou pelo prazer infantil de ver algo cair no rio? Será que ele quis dar uma pequena contribuição para manter o parque limpo e seguro, tendo em vista a presença de casais distraídos, crianças e cegos? Não acho que tenha sido por nenhum desses motivos. Ele só queria comemorar. Estava feliz por ter formulado uma frase que achou boa, sentiu a inspiração chegando e expressou euforia jogando o pau no rio. Pode ser também que ele só tenha feito aquilo para poder dizer que fez algo além de observar.
Vai saber.
Meu texto, eu arremato atirando o lápis dentro da pia.